Decotelli x FGV: ambos erraram!
Robson Matos
Acho que o episódio do Quase Ministro
da Educação, Carlos Alberto Decotelli, nos apresenta a possibilidade de
debatermos a precarização do trabalho, o descuido da FGV e os Programas de
Pós-graduação brasileiros.
Inicialmente, entretanto, precisamos colocar
algumas coisas em seus devidos lugares. Decotelli fraudou e continua fraudando
o seu Currículo Lattes e ele é o único culpado em relação a isso. Não pretendo,
pois, retomar esse assunto.
Em relação ao racismo sofrido por
Decotelli, entendo que houve! Todavia, esse racismo não foi cometido pela
sociedade e sim pela Rainha Louca. Conhecedor do fato de vários outros de seus
Ministros haverem fraudado o currículo, o Presidente fechou os olhos e não os exonerou!
Por que apenas Fraudatelli foi exonerado? Alguns dirão que em função de
Decotelli ter sido nomeado ao cargo de Ministro da Educação torna uma fraude no
currículo mais séria. Essa é uma meia verdade, uma vez que seus antecessores no
MEC também fraudaram o currículo. Portanto, advogo a tese de que Fraudatelli foi
exonerado por ter fraudado o Curriculo e ser negro. Posto isso, refuto
completamente o discurso do Decotelli e da presidente da Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup), Elizabeth Guedes – irmã
do Tchutchuca – que tentam justificar os erros cometidos por ele com base na
sua negritude:
“Há muitos brancos com
imperfeições em currículo trabalhando sem incomodar ninguém” – Carlos
Aberto Decotelli.
“Quantos brancos já
fizeram isso e não aconteceu nada?” – Elizabeth Guedes
Até certo grau, hei de concordar com
ambos. Contudo, algumas ressalvas necessitam ser feitas. Primeiramente, não são
inconsistências e sim fraudes. Vários brancos praticam o ato de maquiar seus
currículos para que possam alavancar suas carreiras acadêmicas.
Sou obrigado a discordar do
Fraudatelli! Existem vários casos de fraudes no Currículo Lattes, mas estão
longe de serem comuns e para que esses casos parem de crescer, venho
denunciando isso desde 2002. Essas fraudes levarão ao descrédito da Plataforma
Lattes que serviu de modelo para inúmeros países no mundo.
Segundo o próprio Decotelli, sua
demissão deveu-se ao fato da nota da Fundação Getúlio Vargas ter divulgado uma
inverdade:
Mas, uma narrativa pode ser construída
de acordo com o desejo de quem a faz. A nota da FGV – veja a íntegra a seguir –
deixa muito claro que Decotelli não era professor
efetivo. Em nenhum momento a FGV negou que ele tenha atuado como professor
naquela instituição (destaque em vermelho).
“A FGV se encontra em regime de trabalho remoto, com aulas
presenciais suspensas inclusive, desde março de 2020, por força do isolamento
imposto pela pandemia do Coronavírus, seguindo determinação das autoridades
constituídas, federal, estadual e municipal, em razão do estado de emergência
de saúde.
O Prof. Decotelli cursou mestrado na FGV, concluído em 2008.
Assim, qualquer informação a respeito demandará acesso a arquivos físicos da
época pelos respectivos orientadores responsáveis, o que só poderá se dar após
o retorno destes a atuação presencial, eis que todos pertencentes ao chamado
grupo de risco.
Quanto aos cursos de doutorado e pós-doutorado, realizados
com outras instituições educacionais, cabe a estas prestar eventuais
esclarecimentos e não à FGV, para quem o Prof. Decotelli atuou apenas nos cursos de educação continuada, nos programas
de formação de executivos e não como professor de qualquer das escolas da
Fundação.
Da mesma forma, não foi pesquisador da FGV, tampouco teve
pesquisa financiada pela instituição”.
Em tempos de disseminação de fake news,
é fundamental que estejamos atentos e observemos ambas as narrativas. Ao
fazermos isso, detectamos que Decotelli interpretou a nota pela ótica que lhe
favorecia: “...de que eu nunca fui professor da Fundação Getúlio Vargas...”.
“A desgraça do esperto é achar que todo
mundo é bobo”!
Gostaria de voltar à nota da FGV e
peço-lhe que observe o trecho destacado em azul. De fato, não cabe à Fundação comprovar
o título de Doutor e o estágio de pós-doutoramento, declarados por Decotelli.
No entanto, era obrigação da FGV verificar a veracidade do suposto título de
doutor apresentado por ele! Segundo Decotelli, ele atuava como professor em
disciplinas do MBA – um programa de pós-graduação lato sensu – fato que não foi negado em uma nova nota da FGV. Vejo
um trecho da nota (grifo nosso).
“A afirmação de que não era professor das escolas FGV se
trata de simples rigor técnico inerente às classificações terminológicas das
Portarias da CAPES, uma vez que não
lecionava em turmas de graduação e pós-graduação stricto sensu, o que não
reduz, em absoluto, a importância de tais cursos de educação continuada”.
E como Decotelli provou para a coluna
do jornalista Guilherme Amado da revista Época, ele atuava no curso de MBA do
campus de Duque de Caxias.
Não há dúvidas que ao divulgar a
segunda nota, a FGV tentou disfarçar um erro em função da terceirização das
atividades-fim. Ao que tudo indica, Decotelli é contratado como pessoa
jurídica, ou através de uma empresa de terceirização, e assim sendo, a FGV
terceirizou também a obrigação de conferir se o alegado doutorado do Quase
Ministro tinha sido reconhecido no Brasil.
A FGV, portanto, pode ser acusada de
enganar aqueles que se matricularam naqueles cursos que o Fraudatelli atuava
como professor. Esses alunos acreditavam estar frequentando aulas ministradas
por um doutor que não era.
O comportamento da FGV é grave e mostra
a periculosidade da terceirização de atividade-fim. A Fundação contratou uma
pessoa jurídica para se livrar de encargos trabalhistas e terceirizou a
conferência da formação da pessoa física que iria atuar em seus cursos.
Decotelli foi massacrado, também, em
relação à questão da ocorrência de plágio em mais de 70% da sua dissertação de
mestrado, o que ele nega.
Em relação ao plágio, acho que o
Fraudatelli está usando o discurso equivocado. Atualmente, existem inúmeras
ferramentas tecnológicas capazes de comprovar a porcentagem de plágio em um
trabalho. Portanto, é uma infantilidade insistir se foi 1% ou 70% ou, quiçá
dentro da margem permitida. Fato é que houve plágio, e em qualquer grau é muito
feio.
No entanto, acho que essa culpa não
recai sobre o Decotelli e sim sobre seu orientador e a banca examinadora
apontada pelo Colegiado de Pós-graduação da FGV. O papel do orientador é
minimizar o número de falhas cometidas pelo seu orientado. Caberia, pois, a ele
orientar o Decotelli, de maneira apropriada, como fazer a citação dos trabalhos
de outros autores. Logo, houve falha por parte do orientador. Houve, também,
falha da banca examinadora que não cumpriu o papel de fazer uma análise
criteriosa e rigorosa da dissertação de mestrado do candidato. Como o
orientador e os membros da banca examinadora não agiram de maneira correta, o
Quase Ministro está passando por esse constrangimento.
É importante ressaltar que os Programas
de Pós-graduação estão sofrendo com esse mal de orientação deficiente e bancas
com pouco rigor acadêmico. Com a escassez de verbas para o financiamento, o
aumento no número de doutores e uma pressão pela diminuição no prazo de
conclusão dos cursos de pós-graduação stricto
sensu, temos assistido a uma ação entre amigos nas defesas de dissertações
e teses no Brasil. O que reina, em muitos casos, é a máxima de “aprove o meu
aluno que eu aprovo o seu”. Essa prática é nefasta e já tem mostrado resultados
muito negativos. Pesquisadores brasileiros já tiveram artigos científicos
retirados de periódicos de grande prestígio internacional, após terem sido
publicados e fraudes serem constatadas.
Por fim, volto à questão da narrativa
do Decotelli sobre a nota da FGV. Ele não se cansa de insistir que teve a reputação
destruída pela FGV:
Senhor Decotelli, não houvesse o senhor
mentido em relação ao seu doutorado, nada disso teria ocorrido. Não teria
havido contestação em relação ao seu estágio de pós-doutoramento, ninguém
estaria falando de plágio e a FGV estaria muito feliz em ter um dos seus
membros como Ministro da Educação.
E como uma dica, vos digo: não há nada
mais nobre que o reconhecimento de um erro cometido. Mas, essa parece não ser
uma prática da vossa pessoa. A autocrítica deve ser feita por e não pela
sociedade ou seus críticos.
“A desgraça do esperto é achar que todo
mundo é bobo”!
A se destacar, também, é o despreparo
da grande maioria dos jornalistas brasileiros com relação à vida acadêmica.
William Wack minimiza um problema de fraude no currículo classificando-o como “erro
humano”. Mas, ele não para por aí e diz que Decotelli não conseguiu convencer o
Presidente em relação a seu currículo. O Fraudatelli deveria, acima de tudo,
ter convencido a si mesmo de que não era portador de um título de doutor e não
ao Presidente e à sociedade.
Por fim, os erros foram cometidos por
ambas as partes e não é possível colocar na balança para verificar quem errou
mais, Decotelli e FGV erraram gravemente.
Se fraudou o currículo todo ou em parte, não serve para ser ministro da Educação, ficou sem credibilidade.
ResponderExcluirBoa reportagem sobre o assunto Decotelli. No meio da enxurrada de noticias, eu não tinha pensado na responsabilidade da FGV.
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