O sonho de Martin Luther King ainda não virou realidade
Robson Matos
No dia 28 de agosto de 1963, Martin Luther King fez o seu mais
eloquente discurso que marcou gerações. Discursando para mais de 250 mil
pessoas em Washington, Luther King disse: “Eu tenho um sonho que meus quatro
pequenos filhos um dia viverão em uma nação onde não serão julgados pela cor da
pele, mas pelo conteúdo do seu caráter. Eu tenho um sonho hoje.”
Passados 57 anos, o sonho de Martin Luther King ainda não se tornou
realidade. A discriminação contra latinos e, principalmente negros é uma dura
realidade na sociedade estadunidense. A ação brutal da polícia de Minneapolis contra
George Floyd expôs séculos de desigualdade social nos EUA.
George Floyd tinha 46 anos e trabalhava como segurança. Ele era
descrito como um gigante gentil. Ele foi detido pela Polícia de Minneapolis no
dia 25 de maio, supostamente por tentar usar uma nota falsa de US$20. As imagens
mostram o policial pressionando o pescoço de George por minutos. George repetiu
várias vezes: “Eu não consigo respirar”. O policial manteve-se insensível,
inclusive com a mão dentro do bolso. O vídeo a seguir é forte! Seu conteúdo foi
considerado inapropriado e caso não goste de cenas de violência, não assista.
As manifestações atuais não seguem o princípio de não violência
defendidos por Martin Luther King, mas demonstram a revolta com mais um de inúmeros
assassinatos de negros nos EUA. Prédios públicos e viaturas da Polícia estão sendo
incendiadas, saques a lojas comerciais têm sido uma constância e ataques
violentos contra os policiais são observados constantemente. Aparentemente, esses
atos de violência têm sido praticados por uma minoria.
A revolta dos cidadãos estadunidense eclodiu em função do policial que
assassinou George Floyd ter sido indicado por homicídio culposo – aquele sem
intenção de matar. Outro fator que gerou grande revolta foram dois tuítes do
Presidente Donald Trump incitando a violência. Os dois tuítes foram marcados
pelo Twitter por violarem as regras da empresa. Em um deles, Trump escreveu: “Esses
bandidos estão desonrando a memória de George Floyd, e eu não deixarei isso
acontecer. Acabei de falar com o governador Tim Walz e disse que os militares
estão com ele o tempo todo. Qualquer dificuldade, assumiremos o controle, mas,
quando os saques começarem, os tiros vão começar”.
O Presidente Donald Trump está insuflando ainda mais os protestos. Ontem,
Trump repetiu a frase dita por um Chefe de Polícia racista, Walter Headley de
Miami. Em 1967, Headley prometeu responder com tiros se houvesse saques. Esse
tem sido o caminho escolhido pelo Presidente dos EUA.
A sociedade estadunidense está demonstrando não aceitar mais o
assassinato, pela polícia, de cidadãos das classes minoritárias. Na grande
maioria das vezes os policiais são inocentados pelas mortes. Ações violentas
contra os negros nos EUA é uma constância e sempre ocorrem protestos contra o modus operandi da Polícia. Entretanto, poucas
mudanças têm ocorrido. O último grande protesto desse tipo ocorreu em 1992 em
Los Angeles quando um homem negro foi espancando quase até à morte por dirigir
em alta velocidade. Embora naquela época os protestos tenham sido enormes, eles
ficaram circunscritos à região de Los Angeles. Dessa vez, os protestos tomaram
proporções incontroláveis e já ocorrem em mais de 30 cidades dos EUA.
Em 2016, durante uma entrevista a um famoso programa da TV estadunidense,
o ator Hollywoodiano Will Smith afirmou: “O racismo não está aumentando ele
está sendo filmado”. Outro a denunciar o racismo nos EUA foi o diretor Spike
Lee. Em um filme de 1989 – Faça a coisa certa – Lee retratava o racismo na
sociedade estadunidense. O tema voltou a ser retrato em seu premiado filme de
2018 – Infiltrado na Klan – o qual vale a pena assistir.
Vejo o assassinato de George Floyd cruel, hediondo e inaceitável.
Entretanto, esse episódio deveria nos servir como um alerta para o que temos
assistido na sociedade brasileira. O assassinato, pela polícia brasileira, de
jovens inocentes é uma constante. Inúmeros são os casos ocorridos e a sociedade
brasileira torna-se cada vez mais insensível em relação a isso.
É impossível não fazer uma correlação entre a violência perpetrada
pela Polícia estadunidense com aquela sendo conduzida pela Polícia brasileira.
O pior de tudo é que a Polícia brasileira conta com o apoio explícito de muitos
governantes.
O Estado do Rio de Janeiro concentra o maior percentual de mortes
causadas por policiais. O atual Governador do Estado, Wilson Witzel, sempre
defendeu “atirar na cabecinha de bandidos” e compactua com o pensamento da
Rainha Louca de que “bandido bom é bandido morto”.
Witzel deve ter se esquecido do ocorrido com um morador da comunidade
Chapéu da Mangueira em setembro de 2018. O garçom Rodrigo Alexandre da Silva
foi morto por tiros disparados pela polícia. Chovia no início da noite do dia
17 de setembro daquele ano, quando os policiais confundiram um guarda-chuvas
com fuzil e um “canguru” com um colete a prova de balas. Canguru é aquele
dispositivo utilizado para transportar bebês. Alexandre tinha descido para
esperar a mulher e os filhos ao pé da ladeira.
Como defender “atirar na cabecinha” se a polícia não tem treinamento
para distinguir um guarda-chuvas de fuzil?
Em abril de 2019, o carro de um músico foi fuzilado por militares que
faziam uma blitz em Guadalupe. Apenas um tenente do Exército disparou 77 tiros
de fuzil. Os 12 militares envolvidos respondem por homicídio qualificado e
omissão de socorro junto ao Tribunal Militar, mas respondem ao processo em
liberdade. No fuzilamento, foram mortos o músico e um catador de latinhas que tentou ajudar e também morreu.
Em maio de 2019, o Governador Witzel sobrevoou uma comunidade de Angra
dos Reis em helicópteros da Polícia Civil que disparavam tiros a esmo. Segundo
o Governador, aquela era uma operação da Coordenação de Recursos Especiais –
Core – para “dar fim à bandidagem. Entretanto, os disparos atingiram algumas
tendas azuis no Monte de Campo Belo. Essas tendas são pontos de apoio para a peregrinação
de evangélicos e foram confundidas com casamatas do tráfico.
Outra vítima das atrocidades da Polícia do Witzel ocorreu no Complexo
do Alemão. A garota Ágatha, de apenas 8 anos, estava voltando para casa,
acompanhada da mãe, dentro de uma Kombi. Segundo testemunhas, um policial fez
um único disparo contra uma moto e o tiro atingiu as costas da pequena Ágatha.
Aparentemente não havia confrontos entre a Polícia e bandidos.
A Polícia fez mais uma vítima no último dia 18 de maio. Durante uma
operação conjunta da Polícia Civil e da Polícia Federal no complexo do
Salgueiro em São Gonçalo, o adolescente João Pedro de 14 anos foi atingido
dentro da casa dos tios. A operação era da Polícia Federal e envolvia,
novamente, o Core com o apoio aéreo da Polícia Militar. O objetivo era cumprir
dois mandados de busca e apreensão contra chefes do tráfico na região.
Entretanto, ninguém foi preso. Segundo testemunhas, os policiais chegaram no
terreno e atiraram duas granadas e em seguida atiraram nas janelas. A casa onde
brincavam João Pedro e seus amigos foi atingida com mais de 70 tiros de fuzil.
Segundo a perícia, os projéteis têm o mesmo calibre dos fuzis utilizados pela
polícia e João Pedro foi atingido pelas costas.
O Atlas da Violência aponta que no Brasil, em 2019, a polícia matou
uma pessoa a cada 90 minutos. Entre 2012 e 2019 a violência policial subiu
166%. Em abril deste ano, durante a pandemia do novo coronavírus, a Polícia
carioca cometeu 177 homicídios. Isso representa 42,7% de aumento em relação ao
mesmo mês do ano passado.
Contudo, a violência policial não fica circunscrita ao Rio de Janeiro.
Em dezembro de 2019, a Polícia invadiu uma comunidade de Paraisópolis em São
Paulo para encerrar um baile funk e 9 pessoas foram mortas.
Como nos EUA, os mortos têm cor, são negros, em sua maioria. A
violência da polícia está interrompendo sonhos de nossos jovens que, em função
da desigualdade social, têm pouco acesso à saúde e educação de qualidade. Os
moradores das comunidades mais carentes do Brasil precisam de cuidados. Eles
não precisam de projéteis de fuzis.
A violência no Brasil tem sido constantemente incitada pelas autoridades
desse país. O maior chamamento foi aquele feito pela Rainha Louca, que desde à
época da campanha eleitoral fala em armar a população civil para conter a
violência. Na tragicômica Reunião Ministerial de sua República, a Rainha Louca
falou em armar a população para que o povo possa lutar contra o isolamento
social.
Fica a cada dia mais explícito que a Rainha Louca, com seus discursos
de ódio, fez eclodir no Brasil o racismo e a discriminação de uma forma explícita.
A sociedade brasileira sempre foi racista e discriminatória, porém isso era
demonstrado de maneira velada. Com o incentivo da autoridade maior do país,
essas pessoas sentiram-se protegidas em desafiar as leis.
Os milicianos acampados em Brasília e que se autodenominam “grupo
dos 300”, embora contem com pouco mais de 50 integrantes, representam claramente
a eclosão do racismo no Brasil. A manifestação realizada por eles, na noite de
ontem, em frente ao STF, nos remete às passeatas da Ku Klus Khan, realizadas
no século XIX nos EUA.
O “grupo dos 300” parece ser uma cópia fiel do grupo paramilitar
estadunidense MAGA – Make America Great Again. MAGA é um slogan de campanha do
Trump e acabou gerando a criação de grupos paramilitares em defesa do Presidente.
Esse grupo recentemente invadiu a Câmara Legislativa de Michigan exigindo o fim
do isolamento social. Eles portavam armamento pesado para intimidar os legisladores.
Não tenho dúvidas de que, ao fim da pandemia, surgirão várias
manifestações pedindo o impeachment da Rainha Louca e em defesa da democracia.
Meu grande temor será um ataque sangrento por parte desses milicianos bolsonaristas.
As cidades brasileiras podem ser transformadas em campos de batalha.
O temor da Rainha Louca era que o Brasil virasse uma Venezuela.
Acredito que o Brasil está virando um país de extrema direita com contribuições
do racismo estadunidense, do autoritarismo da Hungria e do militarismo da
Venezuela.
Vamos aproveitar o exemplo da sociedade estadunidense. Lá os brancos
têm feito uma corrente e se colocam entre a polícia e os negros que participam
das manifestações. Conclamo que nós, democratas, façamos uma corrente para
proteger a nossa tão jovem democracia contra as ameaças de um golpe e contra a
eclosão do racismo no Brasil. Não vamos largar os corações uns dos outros, já
que durante a pandemia é aconselhável não darmos as mãos um dos outros.
Encerro o texto de hoje com o poema do pastor Luterano alemão Martin Niemöller
e repetindo o que disse Martin Luther King. Niemöller foi preso duas vezes sob
a acusação de usar o púlpito da Igreja para proferir palavras contra o regime
nazista. Foi finalmente condenado, porém a Justiça entendeu que a pena já havia
sido cumprida pelo longo período de sua prisão preventiva. A decisão não agradou
a Hitler, que o enviou para o campo de concentração.
“Primeiro levaram os comunistas,
Mas não falei, por não ser comunista.
Depois, perseguiram os judeus,
Nada disse então, por não ser judeu,
Em seguida, castigaram os sindicalistas
Decidi não falar, porque não sou sindicalista.
Mais tarde, foi a vez dos católicos,
Também me calei, por ser protestante.
Então, um dia, vieram buscar-me.
Nessa altura, já não restava nenhuma voz,
Que, em meu nome, se fizesse ouvir”.
Não sou negro, mas não me calei. Jamais me calarei enquanto um irmão
estiver sob ameaça, seja ele negro, índio, homossexual, transexual, pobre,
cigano, etc.
Eu tenho um sonho! Sonho com o fim da desigualdade social no Brasil e
no Mundo. Sonho com o fim do massacre das minorias no Brasil e no Mundo.