O caos no Rio de Janeiro: Lockdown, Milícias e Políticos Presos
Robson Matos
Como bom mineiro, sou apaixonado pelo Rio de Janeiro. Tanto é verdade
que decidi vir morar nesse estado. Um estado agraciado por belezas naturais e
de belas construções. Aqui você tem a beleza do mar, mas também a beleza das
serras que não me deixa esquecer meu estado natal. O Rio é um estado de um povo alegre,
descontraído e solidário. Mas, o Rio não e só isso.
O Rio de Janeiro talvez seja a cidade mais retratada na música. Mas os
compositores brasileiros retratam não apenas suas belezas. Suas mazelas também
sempre foram retratadas. As diferenças sociais são imensas. O Rio de Janeiro
convive há mais de 100 anos com suas “favelas” (hoje corretamente chamadas de
comunidade), onde as pessoas são tratadas pelas autoridades de forma desumana.
A falta de esgoto e de fornecimento adequado de água são constantes. Pouco até
hoje foi feito pelo poder público no sentido de melhorar a qualidade de vida
dessas pessoas.
O estado tem problemas sérios e uma ligação intrínseca com a
bandidagem e a corrupção. O carnaval carioca sempre esteve ligado à
contravenção. O Comando Vermelho, conhecida facção criminosa, nasceu no estado
do Rio. O “Esquadrão da Morte”, do período da ditadura militar, teve sua origem
no Rio. A ganância da contravenção levou ao tráfico de drogas. Para combater o
tráfico de drogas, uma vez que o Estado estava ausente, surgem as milícias.
Mas, as milícias ficaram também gananciosas e passaram a dominar o comércio de
drogas.
Desde a democratização, o Rio de Janeiro teve sete Governadores
diferentes, eleitos como cabeça de chapa: Brizola (de 83 a 87 e de 91 a 94);
Moreira Franco (de 87 a 91); Marcelo Alencar (de 95 a 99); Anthony Garotinho
(de 99 a 2002); Rosinha Garotinho (de 2003 a 2007); Sérgio Cabral (de 2007 a
2014) e Pezão (de 2014 a 2019). Desses, dois são falecidos – Brizola e Marcelo
Alencar. Todos os outros estão ou já foram presos por corrupção e/ou desvio de
dinheiro público.
Todavia, não podemos esquecer que o Brizola sempre foi acusado de
ligações fortes com os bicheiros e que Marcelo Allencar foi denunciado pelo
Ministério Público por contravenção e o processo não foi concluído.
O atual Governador – Wilson Witzel – foi eleito sob a égide de combate
à corrupção e ao crime organizado. As ferramentas no combate ao crime organizado
que o Witzel vem utilizando são equivocadas e já levou à morte muitos
inocentes. Estudiosos em Segurança Pública defendem que o combate ao crime
organizado não deve ser feito com o uso de força e violência e sim com o uso da inteligência policial.
É importante salientar que as milícias e os traficantes ocupam um
espaço que o Estado nunca foi capaz de ocupar nas comunidades. As comunidades, principalmente
no estado do Rio, sofrem com a falta de saneamento básico, a falta de
assistência médica, falta de escolas e creches e falta de assistência social.
Ou seja, é flagrante a ausência do Estado nas comunidades no Rio de Janeiro.
A pandemia do novo coronavírus escancarou as mazelas do estado do Rio
de Janeiro. Um estado atolado em dívidas, corrupção e abandono da população
mais carente. As diferenças sociais no Rio de Janeiro aumentam de forma
assustadora. A violência só aumenta e as milícias se espalham de maneira
assustadora.
As milícias ocupam grande parte da Zona Oeste da cidade do Rio de
Janeiro, da Baixada Fluminense, de Itaboraí e da Região dos Lagos. Eles
controlam vendas de gás, acesso clandestino a TV a cabo, postos de gasolina,
transporte clandestino e grande parte do varejo dessas comunidades precisam
contribuir para as milícias em troca de proteção. O esquema de contrabando de
armas no porto de Itaguaí já é de conhecimento da PF e da Receita Federal. A maioria
das cargas recebidas no Porto de Itaguaí passa pela alfândega em dois portos
secos – Nova Iguaçu e Volta Redonda. No trajeto entre Itaguaí e esses portos
secos, a mercadoria irregular é distribuía antes de passar pela alfândega. A
Receita Federal intensificou a fiscalização e começou a fazer várias
apreensões. Todavia, em agosto de 2019 o Presidente da República decidiu trocar
o comando da Receita Federal no estado do Rio de Janeiro e desde aquele período
começou o seu movimento para trocar o Superintendente da Polícia Federal no Rio
– fato consumado esse mês.
Em meio à pandemia o Ministério Público descobre irregularidades na
compra de equipamentos hospitalares realizadas pelo Governo do Estado. O Subsecretário
de Saúde do Estado foi demitido e novas investigações levaram a muito mais
irregularidades nos gastos da Secretaria de Saúde do Estado. A montagem e operação
dos Hospitais de Campanha do estado do Rio de Janeiro foi entregue a uma
organização social comandada por um empresário com fortes relações com governos
anteriores, inclusive com o Governador Sérgio Cabral, atualmente preso por corrupção.
Com essa denúncia o Governador Witzel decidiu exonerar o Secretário de
Saúde. Entretanto, o Secretário exonerado irá dirigir uma comissão de notáveis no
enfrentamento à pandemia do coronavírus. Uma decisão um tanto quanto duvidosa e suspeita.
Enquanto isso a pandemia está avançando assustadoramente pelo estado.
O sistema de saúde começa a apresentar sinais de colapso, os prometidos
hospitais de campanha não entram em operação os respiradores comprados não
chegam e a sociedade, incentivada pelo Presidente da República, não respeita o
isolamento. Junta-se a isso o fato de alguns hospitais federais do Rio estarem
com leitos de UTI ociosos. Sinal claro da implementação de uma disputa político eleitoreira que vem sendo conduzida pelo Presidente da República.
Duas instituições respeitadíssimas mundialmente – Fundação Oswaldo
Cruz e UFRJ – recomendaram que o Governador decrete o lockdown na cidade do Rio
e na Baixada Fluminense. O Ministério Público Estadual fez, também, a mesma
recomendação com base nas recomendações dessas instituições. O Governador
contra argumentou que ele poderia ser responsabilizado judicialmente caso
decretasse o lockdown. O STF já decidiu pela constitucionalidade do lockdown,
entretanto o Governador ainda não o decretou. Por que Witzel reluta em decretar o
lockdown?
O lockdown no estado do Rio depende de combinar com os traficantes e
com as milícias. O decreto de um lockdown poderia até ter um apoio dos
traficantes, mas tenho dúvidas se teria o apoio das milícias. Os traficantes,
durante essa pandemia, “determinaram” o toque de recolher em várias comunidades
da cidade do Rio e deram ordens muito firmes para os moradores permanecerem em
casa. Mesmo assim, o Governador poderia ter problemas com eles. Afinal, o Governador
é defensor do uso do “tiro na cabeça” no combate à criminalidade e sempre
defendeu os excludentes de ilicitude. Quanto ao apoio das milícias a um decreto
de lockdown, tenho cá minhas dúvidas. As milícias perdem grande parte de seus
financiamentos com o fechamento do comércio não essencial em suas áreas de
domínio e isso pode ser um grande empecilho para o Governador.
No que parece ser uma tentativa de retomar o controle da situação e
criar condições de um lockdown, assistimos a invasão do Complexo do Alemão com
a morte de mais de 13 pessoas. Esse ataque da polícia ainda não foi esclarecido
e muito menos os mortos foram identificados. Hoje houve a invasão do Vidigal,
mas ainda não se tem notícias de prisões, feridos ou mortes.
Em suma, o Governador Witzel sabe que não conseguirá decretar o
lockdown sem uma negociação com o “governo paralelo” instalado no Rio há décadas
e comandado pelos traficantes e milicianos. Ele sabe, também que não será capaz
de estancar a corrupção no Estado. Ele sabe que as suas principais bandeiras
eleitorais foram por água abaixo – o combate ao crime organizado e à corrupção.
Observem que ele sabe muito bem de tudo isso que há muito não faz
declarações públicas ou concede entrevistas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário