A obsessão pela reeleição eleva o número de óbitos
Robson Matos
Circula pelas redes sociais a informação de que o presidente foi a
primeira autoridade a decretar a quarentena no Brasil, bem antes do carnaval.
Ah! Sempre essas redes sociais! Sempre essas pessoas que em defesa de uma
causa, simplesmente repassam mensagens sem buscar a veracidade da informação.
Assim, informações distorcidas e falsas acabam encontrando seu caminho e
prejudicando o combate à pandemia.
Vamos tentar esclarecer alguns fatos importantes. No dia 04 de
fevereiro a Câmara do Deputados aprovou o PL 23/2020 de inciativa da
Presidência da República. O Projeto de Lei foi, então, aprovado no dia seguinte
pelo Senado Federal e transformado na Lei 1379/2020 (veja a Lei), sancionada
pelo Presidente da República no dia 6 de fevereiro. Essa lei não determinou o
isolamento social. Essa lei aponta as medidas que poderiam ser utilizadas no
combate ao novo coronavírus. Já no seu primeiro artigo fica muito claro esse
objetivo com o verbo (grifo nosso) é utilizado no futuro:
Art. 1º
Esta Lei dispõe sobre as medidas que poderão
ser adotadas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância
internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019.
A Lei 1379 tem o objetivo, também, de decretar emergência de saúde
pública, ou seja, a Lei elimina a dispensa de licitação para compras
relacionadas ao combate ao novo coronavírus, conforme expresso no Art.4.
Observe, também, que a Lei 1379 trata a situação como um surto. A
Organização Mundial da Saúde (OMS) só decretou a situação de pandemia no dia 11
de março. Essa lei foi motivada pela Portaria 188 de 3 de fevereiro emitida pelo
Ministério da Saúde (veja a Portaria) que declarou Emergência em Saúde Pública
de Interesse Nacional, seguindo a declaração de emergência internacional
emitida pela OMS em 30 de janeiro.
Outra motivação para a Lei 1379/2020 era o desejo do Brasil repatriar
em torno de 29 brasileiros que se encontravam na cidade de Wuhan na China. A
falta de uma lei específica sobre o isolamento dessas pessoas e a realização
compulsória de exames poderia ser um problema legal.
Como fica muito claro, a partir da análise dessa Lei que não foi
decretada quarentena antes do Carnaval, mas sim a possiblidade de isso ocorrer,
caso o Ministério da Saúde verificasse essa necessidade.
No dia 26 de fevereiro o Ministério da Saúde anuncia o primeiro caso
confirmado de Covid-19 e informa que existem mais 20 casos suspeitos. O número
de casos passa a subir e o Governo do Estado de São Paulo apresenta medidas
para tentar conter o avanço da doença pelo estado. O Governador de São Paulo
concede entrevista à imprensa ao lado do então Ministro da Saúde, Luiz Henrique
Mandetta, no dia 13 de março.
A partir desse momento que o movimento errático do Presidente da
República toma proporções muito maiores. No dia 20 de março sabia-se que 22
membros da comitiva presidencial que viajaram para os EUA tinham testado
positivo para o novo coronavírus. Uma viagem desnecessária, sem fundamento e
sem qualquer resultado prático, a não ser a contaminação de 22 pessoas pelo novo
coronavírus. O Ministro Mandetta passa a ter mais aprovação que o próprio
presidente e, pior ainda, os governadores dos estados do Rio e São Paulo têm
grande aprovação popular. A sociedade entende que as medidas de isolamento
social são necessárias e que esta é a única forma de evitar um colapso no
sistema de saúde.
Isso acendeu a luz de alerta na cabeça do presidente e seus aliados.
Vistos como potenciais candidatos e pertencentes à mesma corrente política,
Dória e Witzel passam a ser uma ameaça muito maior que a própria pandemia à
ideia de uma reeleição. O presidente passa a menosprezar o perigo que o novo
coranavírus representa. Parte para o negacionismo e começa a se isolar
nacionalmente e até mesmo internacionalmente. Os presidentes dos EUA e México e
o Primeiro Ministro Britânico, quando alertados pelos dados que cientistas
renomados apresentavam, perceberam a gravidade da situação e abandonaram a
corrente do negacionismo. Atualmente, apenas quatro líderes mundiais fazem
parte dessa corrente, classificada pelo Financial Times como a “Aliança da
Ostra” (veja artigo).
O presidente participa constantemente de manifestações e tem se
tornado ainda mais comum ele promover aglomerações, desafiando a ciência e as
recomendações da OMS, do Ministério da Saúde e da ciência. O Ministro Mandetta
foi substituído e ele foi em busca de um Ministro que se colocasse contrariamente
ao isolamento. Esse novo Ministro, embora muito apagado, sem qualquer força e
ainda se mostrando totalmente perdido, ainda não defendeu o fim do isolamento.
Mas, enfim, qual a motivação do Presidente da República? É simples, a
pandemia do novo coronavírus está colocando em risco o seu projeto pessoal em
busca da reeleição. Embora ainda estejamos há dois anos da próxima eleição
presidencial, o presidente e sua seita sabem que a única forma de ele ser
reeleito é no caso de economia brasileira decolar. Todos sabemos que após a
pandemia a economia brasileira experimentará apenas um voo de galinha. A
situação econômica brasileira já estava muito ruim antes da pandemia e a
tendência é se deteriorar ainda mais.
O presidente está fazendo um discurso hipócrita ao colocar em
contraposição salvar vidas x salvar empregos. Ambos são importantes, mas não
devem ser colocados em contraposição. É papel do Estado criar mecanismos que
evitem o aumento da fome e do número de pessoas desempregadas. Mas, é também
papel do Estado zelar pela saúde de seu povo.
O presidente está antecipando, de forma irresponsável, o discurso que
fará na campanha eleitoral das próximas eleições: “eu avisei que os
governadores iriam quebrar o Brasil”. A máfia digital já está em plena ascensão
nas redes sociais. São ataques às instituições, às autoridades e às pessoas que
porventura se colocam contrárias às suas ideias.
As “fakenews” estão inundando as redes sociais, mesmo havendo uma
Comissão Parlamentar Mista de Investigação no Congresso Nacional e um inquérito
em andamento no Supremo Tribunal Federal. Essas pessoas se acham acima de
qualquer lei e qualquer autoridade. São movidas pelo ódio e usam esse
instrumento contra qualquer um que se oponha ao projeto de destruição do Estado
Democrático de Direito.
A ideia de o Brasil ser tomado pelo Comunismo está de volta. Ideia
essa que só pode existir na cabeça de terraplanistas. Já houve Ministros e
deputados classificando o novo coronavírus de comunista e de ser uma arma
utilizada pela China para dominar o mundo.
Estamos vivendo um período extremamente obscuro. Até mesmo pessoas que
sabemos serem cultas e esclarecidas têm embarcado nessas linhas de pensamento e
atuação. Isso causa-me ainda mais temor. Temor de perdermos ainda mais vidas e
assistirmos ainda mais desgraças entre nosso povo.
Precisamos, mais do que nunca combater essa onda obscurantista. O
projeto pessoal de uma reeleição está impedindo o combate correto à pandemia da
Covid-19.
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