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domingo, 3 de maio de 2020

A obsessão pela reeleição eleva o número de óbitos


A obsessão pela reeleição eleva o número de óbitos
Robson Matos

Circula pelas redes sociais a informação de que o presidente foi a primeira autoridade a decretar a quarentena no Brasil, bem antes do carnaval. Ah! Sempre essas redes sociais! Sempre essas pessoas que em defesa de uma causa, simplesmente repassam mensagens sem buscar a veracidade da informação. Assim, informações distorcidas e falsas acabam encontrando seu caminho e prejudicando o combate à pandemia.

Vamos tentar esclarecer alguns fatos importantes. No dia 04 de fevereiro a Câmara do Deputados aprovou o PL 23/2020 de inciativa da Presidência da República. O Projeto de Lei foi, então, aprovado no dia seguinte pelo Senado Federal e transformado na Lei 1379/2020 (veja a Lei), sancionada pelo Presidente da República no dia 6 de fevereiro. Essa lei não determinou o isolamento social. Essa lei aponta as medidas que poderiam ser utilizadas no combate ao novo coronavírus. Já no seu primeiro artigo fica muito claro esse objetivo com o verbo (grifo nosso) é utilizado no futuro:

Art. 1º Esta Lei dispõe sobre as medidas que poderão ser adotadas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019.

A Lei 1379 tem o objetivo, também, de decretar emergência de saúde pública, ou seja, a Lei elimina a dispensa de licitação para compras relacionadas ao combate ao novo coronavírus, conforme expresso no Art.4.

Observe, também, que a Lei 1379 trata a situação como um surto. A Organização Mundial da Saúde (OMS) só decretou a situação de pandemia no dia 11 de março. Essa lei foi motivada pela Portaria 188 de 3 de fevereiro emitida pelo Ministério da Saúde (veja a Portaria) que declarou Emergência em Saúde Pública de Interesse Nacional, seguindo a declaração de emergência internacional emitida pela OMS em 30 de janeiro.

Outra motivação para a Lei 1379/2020 era o desejo do Brasil repatriar em torno de 29 brasileiros que se encontravam na cidade de Wuhan na China. A falta de uma lei específica sobre o isolamento dessas pessoas e a realização compulsória de exames poderia ser um problema legal.

Como fica muito claro, a partir da análise dessa Lei que não foi decretada quarentena antes do Carnaval, mas sim a possiblidade de isso ocorrer, caso o Ministério da Saúde verificasse essa necessidade.

No dia 26 de fevereiro o Ministério da Saúde anuncia o primeiro caso confirmado de Covid-19 e informa que existem mais 20 casos suspeitos. O número de casos passa a subir e o Governo do Estado de São Paulo apresenta medidas para tentar conter o avanço da doença pelo estado. O Governador de São Paulo concede entrevista à imprensa ao lado do então Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, no dia 13 de março.

A partir desse momento que o movimento errático do Presidente da República toma proporções muito maiores. No dia 20 de março sabia-se que 22 membros da comitiva presidencial que viajaram para os EUA tinham testado positivo para o novo coronavírus. Uma viagem desnecessária, sem fundamento e sem qualquer resultado prático, a não ser a contaminação de 22 pessoas pelo novo coronavírus. O Ministro Mandetta passa a ter mais aprovação que o próprio presidente e, pior ainda, os governadores dos estados do Rio e São Paulo têm grande aprovação popular. A sociedade entende que as medidas de isolamento social são necessárias e que esta é a única forma de evitar um colapso no sistema de saúde.

Isso acendeu a luz de alerta na cabeça do presidente e seus aliados. Vistos como potenciais candidatos e pertencentes à mesma corrente política, Dória e Witzel passam a ser uma ameaça muito maior que a própria pandemia à ideia de uma reeleição. O presidente passa a menosprezar o perigo que o novo coranavírus representa. Parte para o negacionismo e começa a se isolar nacionalmente e até mesmo internacionalmente. Os presidentes dos EUA e México e o Primeiro Ministro Britânico, quando alertados pelos dados que cientistas renomados apresentavam, perceberam a gravidade da situação e abandonaram a corrente do negacionismo. Atualmente, apenas quatro líderes mundiais fazem parte dessa corrente, classificada pelo Financial Times como a “Aliança da Ostra” (veja artigo).

O presidente participa constantemente de manifestações e tem se tornado ainda mais comum ele promover aglomerações, desafiando a ciência e as recomendações da OMS, do Ministério da Saúde e da ciência. O Ministro Mandetta foi substituído e ele foi em busca de um Ministro que se colocasse contrariamente ao isolamento. Esse novo Ministro, embora muito apagado, sem qualquer força e ainda se mostrando totalmente perdido, ainda não defendeu o fim do isolamento.

Mas, enfim, qual a motivação do Presidente da República? É simples, a pandemia do novo coronavírus está colocando em risco o seu projeto pessoal em busca da reeleição. Embora ainda estejamos há dois anos da próxima eleição presidencial, o presidente e sua seita sabem que a única forma de ele ser reeleito é no caso de economia brasileira decolar. Todos sabemos que após a pandemia a economia brasileira experimentará apenas um voo de galinha. A situação econômica brasileira já estava muito ruim antes da pandemia e a tendência é se deteriorar ainda mais.

O presidente está fazendo um discurso hipócrita ao colocar em contraposição salvar vidas x salvar empregos. Ambos são importantes, mas não devem ser colocados em contraposição. É papel do Estado criar mecanismos que evitem o aumento da fome e do número de pessoas desempregadas. Mas, é também papel do Estado zelar pela saúde de seu povo.

O presidente está antecipando, de forma irresponsável, o discurso que fará na campanha eleitoral das próximas eleições: “eu avisei que os governadores iriam quebrar o Brasil”. A máfia digital já está em plena ascensão nas redes sociais. São ataques às instituições, às autoridades e às pessoas que porventura se colocam contrárias às suas ideias.

As “fakenews” estão inundando as redes sociais, mesmo havendo uma Comissão Parlamentar Mista de Investigação no Congresso Nacional e um inquérito em andamento no Supremo Tribunal Federal. Essas pessoas se acham acima de qualquer lei e qualquer autoridade. São movidas pelo ódio e usam esse instrumento contra qualquer um que se oponha ao projeto de destruição do Estado Democrático de Direito.

A ideia de o Brasil ser tomado pelo Comunismo está de volta. Ideia essa que só pode existir na cabeça de terraplanistas. Já houve Ministros e deputados classificando o novo coronavírus de comunista e de ser uma arma utilizada pela China para dominar o mundo.

Estamos vivendo um período extremamente obscuro. Até mesmo pessoas que sabemos serem cultas e esclarecidas têm embarcado nessas linhas de pensamento e atuação. Isso causa-me ainda mais temor. Temor de perdermos ainda mais vidas e assistirmos ainda mais desgraças entre nosso povo.

Precisamos, mais do que nunca combater essa onda obscurantista. O projeto pessoal de uma reeleição está impedindo o combate correto à pandemia da Covid-19.

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