A Polícia Federal está à serviço da Milícia?
Robson Matos
Desde o pedido de exoneração do ex-Ministro da Justiça Sérgio Moro, a tentativa
de intervenção na Superintendência da PF do Rio de Janeiro tem dividido espaço
na mídia com as notícias sobre a pandemia. À medida que o inquérito da
Procuradoria Geral da República, autorizado pelo STF, avança, fica mais claro
quais são os interesses do Presidente da República por trás da tentativa de
interferência.
No inquérito aberto pelo PGR, vários depoimentos demonstram o imenso desejo do Presidente da
República em interferir na Superintendência da PF no Rio. Esse desejo foi
expresso no depoimento de várias autoridades da PF. Todos sabemos os motivos
para uma interferência na PF do Rio de Janeiro. Tudo leva a crer que seja para
proteger o seu filho, participante da famosa “rachadinha” na Assembleia
Legislativa do Estado do Rio e seu desaparecido amigo Queiroz. Aliás, onde está
o Queiroz?
Quando do seu depoimento, o Sr. Sérgio Moro indica, como prova, a
gravação de uma reunião ministerial ocorrida no dia 22 de abril – essa data me
remete à música do saudoso Gonzaguinha: “Desenredo” ( caso queira ouvir a música, clique aqui) – e essa gravação passou a
ser o lançamento cinematográfico mais aguardado no Brasil. Segundo a apuração
de vários jornalistas, essa reunião se assemelhou a um debate acalorado, onde
não faltaram palavrões e gritos. Dizem que o nível da reunião foi bem abaixo do
nível dos piores debates sobre futebol que vemos nos botecos brasileiros.
Pois bem, mas nessa reunião o Presidente proferiu a seguinte frase: “...preciso
cuidar da segurança dos meus filhos e meu amigo...” Essa frase recebeu pelo
menos três justificativas diferentes por parte dos inquilinos do Palácio do
Planalto. Ou seja, o presidente e seus Ministros mais próximos estão tentando
explicar o inexplicável. Está muito claro que o Presidente está tentando
proteger o 01 – atolado até o último fio de cabelo no inquérito da rachadinha –
e o amigo desaparecido, também conhecido como Queiroz.
Enquanto o Ministro Celso de Melo não divulga a gravação da reunião –
ele prometeu uma decisão para o dia de hoje – novos fatos surgiram. Diga-se de
passagem, que esses fatos foram muito importantes na montagem de um quebra-cabeças
que se tornou esse enredo policial.
Trazendo semelhanças com Pedro Collor e PC Farias no caso Collor, o empresário
Paulo Marinho trouxe mais luz à história em uma entrevista concedida à
jornalista Mônica Bergamo da Folha de São Paulo. Aliás, a Mônica Bergamo causa
muita irritação ao Presidente da República por ser mulher e extremamente
competente. Essas qualidades são inadmissíveis na mentalidade do doentio Presidente.
Paulo Marinho traz uma narrativa com uma imensa riqueza de detalhes e diz
que o 01 obteve informações privilegiadas sobre a deflagração da operação “Furna
da Onça” da PF. Segundo o empresário, a informação foi dada por um delegado
bolsonarista da PF do Rio de Janeiro. O delegado, supostamente, informou a
assessores do Senador que seria deflagrada uma operação que envolveria o
Senador e o desaparecido Queiroz. Segundo o delegado, essa operação seria
deflagrada depois do segundo das eleições de 2018 para não prejudicar os
resultados.
É importante destacarmos, inicialmente, alguns pontos nesse caso. O primeiro deles é
de que não acredito que a operação tenha sido adiada para beneficiar um ou
outro candidato. A PF é uma instituição muito séria e ela tem por praxe evitar
ser acusada de motivações políticas. Grosso modo, a PF não faz operações
durante o período eleitoral, até porque a lei dificulta a prisão de cidadãos.
Devemos também salientar que a justificativa de Paulo Marinho querer prejudicar
o 01 é extremamente irrelevante, a motivação do empresário fazer a denúncia é
fato desprezível. O que importa é que a denúncia foi feita e ela precisa ser
investigada a fundo e que o delegado responsável pelo vazamento seja punido de
maneira exemplar.
Existem indícios muito fortes que apontam para a veracidade das denúncias
feitas por Paulo Marinho. No dia 13 de outubro de 2018, o então Senador eleito informou
a Paulo Marinho de que havia tido conhecimento das investigações da PF que só
foi deflagrada em 8 de novembro daquele ano. Aconselhado pelo pai, no dia 15 de
outubro, 01 exonera o desaparecido – vulgarmente conhecido como Queiroz – de seu
gabinete na ALERJ e no mesmo dia, a filha do desaparecido é, também, exonerada
do gabinete do então Deputado Federal, hoje Presidente da República.
Outro indício fortíssimo de que houve vazamento da Operação Furna da
Onça é o fato de vários deputados e um secretário estadual ter recebido a PF com diploma
de curso superior nas mãos e com os computadores vazios. Uma assessora da ALERJ
possuía bilhetes com instruções para a destruição de provas no momento em que foi
presa pela PF. Corroborando com os indícios de vazamento da Operação Furna da
Onça é o fato de que um deputado estadual ter se internado em um hospital particular
na Barra da Tijuca na madrugada do dia marcado para a deflagração da Operação.
O desejo do Presidente em proteger o desaparecido Queiroz é público e
notório, como o é o desejo em comprar o silêncio dele. Não restam dúvidas de
que o Queiroz operava um forte esquema de arrecadação de dinheiro e de sua
forte ligação com a milícia carioca. O desaparecido ficou internado no Hospital Albert Einstein em São Paulo e pagou R$133 mil em dinheiro vivo pelo período que lá
ficou. Um montante totalmente incompatível com seus ganhos lícitos.
Ontem, a Folha de São Paulo informou que o advogado do desaparecido soube
de uma outra investigação da PF ainda em fase sigilosa. Importante notar que os advogados
de Queiroz foram informados dessa investigação sigilosa em agosto de 2019. Essa data coincide com o início da
pressão do Presidente da República em demitir o Superintendente da Polícia
Federal no Rio de Janeiro. Indício claro dos motivos para o Presidente querer
interferir nos trabalhos da PF, a proteção dos filhos e do amigo.
De se estranhar também o segundo depoimento do Secretário Executivo da
PF, Carlos Henrique de Souza. Segundo ele o delegado Derrene da PF, que atuava na
Interpol, é muito amigo do 01, todavia, o delegado não atuou na Operação Furna
da Onça. Entretanto, o Secretário Executivo diz que o Senador era presença
constante nas festas promovidas pela Associação dos Delegados da PF no Rio. O
Secretário Executivo afirmou também que antes de assumir a Superintendência no
Rio de Janeiro, em agosto de 2019 (as datas são extremamente importantes, não
se percam nelas), foi chamado para um encontro com o Presidente da República e
que esse convite foi feito pelo Diretor da Abin – Alexandre Ramagem. Sim, é ele
mesmo. Aquele que o Presidente tentou emplacar na Direção Geral da PF e o
Ministro Alexandre de Moraes não permitiu.
Vejam vocês que todos os fatos narrados até aqui, embora ainda
precisem ser comprovados, levam à seguinte conclusão: o Presidente tem
interesse em controlar a PF para proteger seus filhos e o desaparecido Queiroz.
Queiroz é um arquivo vivo e pode vir a ser um novo PC Farias ou ter o mesmo fim
do miliciano Adriano, morto na Bahia e do próprio PC Farias, morto na sua casa em Alagoas.
Você deve estar se perguntando o motivo de eu estar falando em filhos e só ter citado o 01. O motivo e
simples: 0 02 e o 03 estão envolvidos em outros crimes, a divulgação de fakenews.
As fakenews são objeto de dois inquéritos conduzidos pela PF, a pedidos do STF.
Está a cada dia mais evidente que esse inquérito atingirá duramente os filhos
02 e 03 e inúmeros deputados bolsonaristas. Logo, o controle da PF é
fundamental para o projeto pessoal de poder do Presidente da República.
É revoltante lembrarmos sob quais bandeiras o atual governo foi
eleito: combate à corrupção e o fim das negociações escusas no Congresso
Nacional. O atual governo sempre acusou os governos do PT de aparelhamento do Estado.
Concordo que os Governos do PT conduziram o aparelhamento do Estado, e esse foi
o instrumento utilizado por todos os Governos anteriores, desde a redemocratização
do Brasil. O Brasil vive sob um sistema presidencialista compartilhado que está
mais do que provado não funcionar. Para que se governe é necessário que haja uma
base sólida no Congresso Nacional e para se conseguir essa base, torna-se
necessária a política do “toma lá, dá cá”. Alguns partidos não têm um programa
de governo ou uma linha ideológica de atuação e a única forma de esses partidos
sobreviverem é através da eleição de prefeitos em cidades de pequeno e médio
porte. Essas cidades são carentes de recursos e a liberação de verbas ajuda a
eleger prefeitos e deputados do chamado Centrão. Soma-se a isso a ótima
facilidade de desvio de verbas, prática comum de inúmeros políticos ligados ao
Centrão.
Os Governos anteriores ao atual foram reféns do Centrão e acabaram
acusados de corrupção. Alguns desses Governos foram salvos pela base política
construída no Congresso Nacional e outros por possuírem um Engavetador Geral da
República e não um Procurador Geral da República.
O atual Governo iniciou o aparelhamento do Estado através da PF. O
aparelhamento da PF serve a dois objetivos principais:
1. a manutenção e a expansão dos grupos
paramilitares, as conhecidas milícias – a base de apoio político da “família
real” e
2. a transformação da PF em uma polícia política
para perseguir e investigar seus adversários políticos.
Não bastasse esse aparelhamento, o atual Governo se vê obrigado a
lançar mão da “velha política” – termo cunhado pelo atual presidente – para se
blindar de a Câmara Federal autorizar o prosseguimento das investigações em
curso na PGR e de um possível processo de impeachment.
O aparelhamento da PF facilitará o contrabando de armas e drogas
alimentando a base de apoio do Presidente, ou seja, as milícias. A
interferência na PF também servirá de instrumento para a perseguição de potenciais
adversários à reeleição do atual Presidente. A Presidência da República pode
também fazer com que a PF sufoque as investigações em curso na Polícia Civil do
Rio de Janeiro e no Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro que buscam
responder a duas perguntas feitas há alguns anos e ainda sem respostas: “Quem mandou matar Marielle?” e
“Onde está o Queiroz?”.
A independência da PF é fundamental para o Estado Democrático de Direito
e para impedir o avanço do fascismo no Brasil.
Para finalizar, sugiro que assistam à entrevista do Deputado Federal
Marcelo Freixo concedida ao canal no YouTube Painel do Haddad (veja aqui).
Freixo é, talvez, o maior conhecedor do funcionamento das milícias no Estado do
Rio de Janeiro. Ele adquiriu essa expertise no tempo que presidiu a CPI das
milícias na ALERJ.
Não vamos deixar que as milícias tomem conta do Brasil.
Não vamos deixar que o fascismo continue em curso nesse país.
Excelente, professor! Confesso que tenho uma certa dificuldade em entender política, mas seus textos tem uma leitura bem fluida.
ResponderExcluirMuito obrigado Renata. Tenho escrever com uma linguagem mais simples e colocando a minha experiência de professor para tornar os assuntos mais acessíveis a todos.
Excluir