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terça-feira, 5 de maio de 2020

Apologia à Ditadura não é Liberdade de Expressão


Apologia à Ditadura não é Liberdade de Expressão
Robson Matos
Antes de uma análise política da situação atual, farei um apanhado sobre as leis existentes em relação ao direito de manifestação, à liberdade de expressão e à liberdade de imprensa.

A Constituição Federal (CF) de 1988 (veja aqui), a chamada Constituição Cidadã, define, no seu artigo 5º os direitos e garantias fundamentais. Por sua vez, o artigo 60 no inciso IV do parágrafo 4º define esses direitos e garantias fundamentais como cláusulas pétreas, ou seja, não podem ser modificadas.

Destacamos dois incisos do Art. 5º da CF o IV e o XVII. O primeiro nos garante a liberdade de expressão e o último nos garante a liberdade de associação. Todavia, observe que a formação de milícias é proibida por esse mesmo inciso.

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;

O mesmo artigo garante, em seu inciso XVI, o direito de manifestação, embora exista algumas restrições:

XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;

A Constituição Cidadã, também, garante a liberdade de imprensa em seu Art. 220º.

Precisamos, também, nos lembrar de que a liberdade de um termina onde começa a de outro. Liberdade é um conceito relativo. Nem toda forma de expressão é permitida, de acordo com as leis brasileiras.
A Lei de Segurança Nacional (7170/1983) prevê nos seu Art. 22 e 23 a criminalização de processos para alteração da ordem política.

Art. 22 - Fazer, em público, propaganda:
I - de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social;
II - de discriminação racial, de luta pela violência entre as classes sociais, de perseguição religiosa;
III - de guerra;
IV - de qualquer dos crimes previstos nesta Lei.
Pena: detenção, de 1 a 4 anos.
§ 1º - A pena é aumentada de um terço quando a propaganda for feita em local de trabalho ou por meio de rádio ou televisão.
§ 2º - Sujeita-se à mesma pena quem distribui ou redistribui:
a) fundos destinados a realizar a propaganda de que trata este artigo;
b) ostensiva ou clandestinamente boletins ou panfletos contendo a mesma propaganda.
§ 3º - Não constitui propaganda criminosa a exposição, a crítica ou o debate de quaisquer doutrinas.
Art. 23 - Incitar:
I - à subversão da ordem política ou social;
II - à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições
civis;
III - à luta com violência entre as classes sociais;
IV - à prática de qualquer dos crimes previstos nesta Lei.
Pena: reclusão, de 1 a 4 anos.

A Lei 1079/1950 (veja aqui), também, caracteriza como crime de responsabilidade fiscal opor-se ou ameaçar os outros poderes da União ou juízes.
Art. 6º São crimes de responsabilidade contra o livre exercício dos poderes legislativo e judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados:
1 - tentar dissolver o Congresso Nacional, impedir a reunião ou tentar impedir por qualquer modo o funcionamento de qualquer de suas Câmaras;
2 - usar de violência ou ameaça contra algum representante da Nação para afastá-lo da Câmara a que pertença ou para coagí-lo no modo de exercer o seu mandato bem como conseguir ou tentar conseguir o mesmo objetivo mediante suborno ou outras formas de corrupção;
3 - violar as imunidades asseguradas aos membros do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas dos Estados, da Câmara dos Vereadores do Distrito Federal e das Câmaras Municipais;
4 - permitir que força estrangeira transite pelo território do país ou nele permaneça quando a isso se oponha o Congresso Nacional;
5 - opor-se diretamente e por fatos ao livre exercício do Poder Judiciário, ou obstar, por meios violentos, ao efeito dos seus atos, mandados ou sentenças;
6 - usar de violência ou ameaça, para constranger juiz, ou jurado, a proferir ou deixar de proferir despacho, sentença ou voto, ou a fazer ou deixar de fazer ato do seu ofício;
7 - praticar contra os poderes estaduais ou municipais ato definido como crime neste artigo;
8 - intervir em negócios peculiares aos Estados ou aos Municípios com desobediência às normas constitucionais.

Como foi evidenciado acima, existe um limite para a tão debatida liberdade de expressão. Alguns seres, com interesses exclusos, têm usado essa liberdade para justificar atos em defesa do fechamento do Congresso Nacional e do STF. O fechamento desses poderes constitui transformar o Brasil em uma Venezuela, coisa que esses mesmos seres temiam. O fechamento desses poderes leva o Brasil a um sistema autoritário, constituindo-se crimes tipificados na Constituição Cidadã na Lei de Segurança Nacional e na Lei de Responsabilidade.

No último domingo (03/05) assistimos mais das manifestações contra o Congresso Nacional e o STF. Está se tornando corriqueiro e de fácil previsão os acontecimentos políticos durante os finais de semana: aparição do presidente em meio a uma manifestação antidemocrática, seguida de milhares de manifestações de repúdio proferidas por autoridades e instituições. Na segunda, o “animador de cercadinho” se pronuncia negando todas as acusações e os veículos de comunicação repercutem esses acontecimentos até o final de semana seguinte.

O grande problema desse último domingo é que a situação começa a se agravar. Jornalistas foram agredidos de maneira covarde. Esses manifestantes já haviam demonstrado o desejo de aterrorizar aqueles que se opõem às suas ideias. No sábado assistimos agressões a jornalistas na porta da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba e agressões a profissionais da saúde que se manifestavam, de forma silenciosa, na Praça dos Três Poderes em Brasília (veja artigo anterior).

Soma-se a isso a participação do presidente, que de maneira clara proferiu ameaças aos outros poderes da União, inclusive dizendo que as Forças Armadas estavam ao seu lado. O presidente estava acompanhado de seu filho, deputado federal, e ao lado deles observa-se as bandeiras dos EUA e Israel, embora a manifestação, segundo eles, fosse de “patriotas”. Em meio à multidão, o ministro com nome de marca de chuveiro dava entrevista enaltecendo a manifestação claramente antidemocrática. O jornalista da revista Época, Guilherme Amado, publicou na sua rede social e em seu blog a manifestação do ministro (veja o vídeo).

Essas manifestações precisam, rapidamente, de um freio. Elas são uma ameaça, não só ao Estado Democrático de Direito, como também à saúde pública. O Brasil vive o seu maior período democrático desde a Proclamação da República. É inadmissível que deixemos esses 30 anos de redemocratização serem destruídos pelo fanatismo ideológico. Não podemos deixar que a violência contra instituições e pessoas sejam capazes de destruir tudo aquilo pelo que nossas gerações lutaram por anos.

As justificativas desses manifestantes são estapafúrdias. A liberdade de expressão acaba a partir do momento que os poderes fiscalizadores do Executivo são fechados. A existência dos poderes Legislativo e Judiciário são os pilares de qualquer democracia.

Importante também ressaltar que a democracia é a imposição da maioria, e não dizimar a minoria. A democracia moderna surge em contraposição ao poder absolutista dos reis, com base em três poderes independentes. Ela prevê que as pessoas sejam livres e que possam se manifestar, mas sempre respeitando a liberdade do outro. Com o aumento da população a democracia passou a ser tratada com base no consenso da maioria, por ser mais eficaz. Contudo, eficaz não significa justo. Logo, a partir do momento que as minorias começam a ser eliminadas deixamos de ter justiça dentro da democracia.

Esses manifestantes consideram-se a maioria do povo brasileiro, embora o número de manifestantes venha diminuído a cada dia. O uso da força física e da ameaça através do uso da força física são inaceitáveis.

Acho que a sociedade de bem precisa dar uma resposta mais contundente a esse movimento antidemocrático. A produção de declarações e notas de repúdio não mais são suficientes e demostram completamente ineficaz. As milícias estão saindo do mundo virtual e passando ao mundo real.

Chegou a hora de colocar um ponto final ou o Brasil irá experimentar um caos social sem precedentes na sua história.

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