Apologia à Ditadura não é Liberdade de Expressão
Robson Matos
Antes de uma análise política da situação atual, farei um apanhado
sobre as leis existentes em relação ao direito de manifestação, à liberdade de
expressão e à liberdade de imprensa.
A Constituição Federal (CF) de 1988 (veja aqui), a chamada
Constituição Cidadã, define, no seu artigo 5º os direitos e garantias fundamentais.
Por sua vez, o artigo 60 no inciso IV do parágrafo 4º define esses direitos e
garantias fundamentais como cláusulas pétreas, ou seja, não podem ser
modificadas.
Destacamos dois incisos do Art. 5º da CF o IV e o XVII. O primeiro nos
garante a liberdade de expressão e o último nos garante a liberdade de
associação. Todavia, observe que a formação de milícias é proibida por esse
mesmo inciso.
IV - é
livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
XVII - é
plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter
paramilitar;
O mesmo artigo garante, em seu inciso XVI,
o direito de manifestação, embora exista algumas restrições:
XVI - todos
podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público,
independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião
anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à
autoridade competente;
A Constituição Cidadã, também, garante a
liberdade de imprensa em seu Art. 220º.
Precisamos, também, nos lembrar de que a
liberdade de um termina onde começa a de outro. Liberdade é um conceito
relativo. Nem toda forma de expressão é permitida, de acordo com as leis
brasileiras.
A Lei de Segurança Nacional (7170/1983)
prevê nos seu Art. 22 e 23 a criminalização de processos para alteração da
ordem política.
Art. 22 -
Fazer, em público, propaganda:
I - de processos violentos ou ilegais para
alteração da ordem política ou social;
II - de discriminação racial, de luta pela
violência entre as classes sociais, de perseguição religiosa;
III - de guerra;
IV - de qualquer dos crimes previstos nesta Lei.
Pena: detenção, de 1 a 4 anos.
§ 1º - A pena é aumentada de um terço quando a
propaganda for feita em local de trabalho ou por meio de rádio ou televisão.
§ 2º - Sujeita-se à mesma pena quem distribui ou
redistribui:
a) fundos destinados a realizar a propaganda de
que trata este artigo;
b) ostensiva ou clandestinamente boletins ou
panfletos contendo a mesma propaganda.
§ 3º - Não constitui propaganda criminosa a
exposição, a crítica ou o debate de quaisquer doutrinas.
I - à subversão da ordem política ou social;
II - à animosidade entre as Forças Armadas ou
entre estas e as classes sociais ou as instituições
civis;
III - à luta com violência entre as classes
sociais;
IV - à prática de qualquer dos crimes previstos
nesta Lei.
Pena: reclusão, de 1 a 4 anos.
A Lei 1079/1950 (veja aqui), também, caracteriza como crime de responsabilidade
fiscal opor-se ou ameaçar os outros poderes da União ou juízes.
Art. 6º São
crimes de responsabilidade contra o livre exercício dos poderes legislativo e
judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados:
1 - tentar
dissolver o Congresso Nacional, impedir a reunião ou tentar impedir por
qualquer modo o funcionamento de qualquer de suas Câmaras;
2 - usar de
violência ou ameaça contra algum representante da Nação para afastá-lo da
Câmara a que pertença ou para coagí-lo no modo de exercer o seu mandato bem
como conseguir ou tentar conseguir o mesmo objetivo mediante suborno ou outras
formas de corrupção;
3 - violar as
imunidades asseguradas aos membros do Congresso Nacional, das Assembléias
Legislativas dos Estados, da Câmara dos Vereadores do Distrito Federal e das
Câmaras Municipais;
4 - permitir que
força estrangeira transite pelo território do país ou nele permaneça quando a
isso se oponha o Congresso Nacional;
5 - opor-se
diretamente e por fatos ao livre exercício do Poder Judiciário, ou obstar, por
meios violentos, ao efeito dos seus atos, mandados ou sentenças;
6 - usar de
violência ou ameaça, para constranger juiz, ou jurado, a proferir ou deixar de
proferir despacho, sentença ou voto, ou a fazer ou deixar de fazer ato do seu
ofício;
8 - intervir em
negócios peculiares aos Estados ou aos Municípios com desobediência às normas
constitucionais.
Como foi evidenciado acima, existe um limite para a tão debatida
liberdade de expressão. Alguns seres, com interesses exclusos, têm usado essa
liberdade para justificar atos em defesa do fechamento do Congresso Nacional e
do STF. O fechamento desses poderes constitui transformar o Brasil em uma
Venezuela, coisa que esses mesmos seres temiam. O fechamento desses poderes
leva o Brasil a um sistema autoritário, constituindo-se crimes tipificados na
Constituição Cidadã na Lei de Segurança Nacional e na Lei de Responsabilidade.
No último domingo (03/05) assistimos mais das manifestações contra o
Congresso Nacional e o STF. Está se tornando corriqueiro e de fácil previsão os
acontecimentos políticos durante os finais de semana: aparição do presidente em
meio a uma manifestação antidemocrática, seguida de milhares de manifestações de
repúdio proferidas por autoridades e instituições. Na segunda, o “animador de cercadinho”
se pronuncia negando todas as acusações e os veículos de comunicação repercutem
esses acontecimentos até o final de semana seguinte.
O grande problema desse último domingo é que a situação começa a se
agravar. Jornalistas foram agredidos de maneira covarde. Esses manifestantes já
haviam demonstrado o desejo de aterrorizar aqueles que se opõem às suas ideias.
No sábado assistimos agressões a jornalistas na porta da Superintendência da
Polícia Federal em Curitiba e agressões a profissionais da saúde que se
manifestavam, de forma silenciosa, na Praça dos Três Poderes em Brasília (veja artigo anterior).
Soma-se a isso a participação do presidente, que de maneira clara
proferiu ameaças aos outros poderes da União, inclusive dizendo que as Forças
Armadas estavam ao seu lado. O presidente estava acompanhado de seu filho,
deputado federal, e ao lado deles observa-se as bandeiras dos EUA e Israel,
embora a manifestação, segundo eles, fosse de “patriotas”. Em meio à multidão,
o ministro com nome de marca de chuveiro dava entrevista enaltecendo a
manifestação claramente antidemocrática. O jornalista da revista Época, Guilherme Amado, publicou na sua rede social e em seu blog a manifestação do ministro (veja o vídeo).
Essas manifestações precisam, rapidamente, de um freio. Elas são uma
ameaça, não só ao Estado Democrático de Direito, como também à saúde pública. O
Brasil vive o seu maior período democrático desde a Proclamação da República. É
inadmissível que deixemos esses 30 anos de redemocratização serem destruídos
pelo fanatismo ideológico. Não podemos deixar que a violência contra
instituições e pessoas sejam capazes de destruir tudo aquilo pelo que nossas
gerações lutaram por anos.
As justificativas desses manifestantes são estapafúrdias. A liberdade
de expressão acaba a partir do momento que os poderes fiscalizadores do
Executivo são fechados. A existência dos poderes Legislativo e Judiciário são
os pilares de qualquer democracia.
Importante também ressaltar que a democracia é a imposição da maioria,
e não dizimar a minoria. A democracia moderna surge em contraposição ao
poder absolutista dos reis, com base em três poderes independentes. Ela prevê
que as pessoas sejam livres e que possam se manifestar, mas sempre respeitando
a liberdade do outro. Com o aumento da população a democracia passou a ser tratada
com base no consenso da maioria, por ser mais eficaz. Contudo, eficaz não
significa justo. Logo, a partir do momento que as minorias começam a ser
eliminadas deixamos de ter justiça dentro da democracia.
Esses manifestantes consideram-se a maioria do povo brasileiro, embora
o número de manifestantes venha diminuído a cada dia. O uso da força física e da
ameaça através do uso da força física são inaceitáveis.
Acho que a sociedade de bem precisa dar uma resposta mais contundente
a esse movimento antidemocrático. A produção de declarações e notas de repúdio
não mais são suficientes e demostram completamente ineficaz. As milícias estão
saindo do mundo virtual e passando ao mundo real.
Chegou a hora de colocar um ponto final ou o Brasil irá experimentar
um caos social sem precedentes na sua história.
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