A Rainha Louca e a Militarização da Saúde
Robson Matos
O Ministério da Saúde conta hoje com 18 militares ocupando cargos de
primeiro e segundo escalão, incluindo o Ministro interino, e, diga-se de
passagem, não possui curso superior. Treze desses militares foram nomeados após
a saída do Ministro Coveiro, nos dias 18 e 20 de maio. Dos treze indicados nos
últimos dias, apenas um tem formação na área de saúde.
Durante o período da Ditadura Militar no Brasil – 1964 a 1986 – tivemos
10 Ministros da Saúde, dos dez apenas um não era médico. Todavia, não houve um único
militar ocupando o cargo de Ministro.
Tudo começou quando o Presidente Francês – Emmanuel Macron – declarou que
a luta contra o novo coronavírus era uma guerra. Vários outros presidentes
mundiais e a grande mídia começou a se referir à luta contra a pandemia
como sendo uma “guerra”.
Declarações desse tipo quando ouvidas por pessoas de pouca capacidade
cognitiva levam a uma interpretação equivocada e essas pessoas tomam decisões errôneas
em relação ao seu próprio comportamento. Foi exatamente isso que aconteceu na
cabeça do Presidente da República. Ao ouvir o termo guerra ele logo tratou de
trazer as Forças Armadas para o Ministério da Saúde. Em períodos de guerra, a
logística é fundamental, portanto ele levou um especialista em logística para
ser Secretário Executivo do Ministério da Saúde. Esse General, então, tornou-se
Ministro interino e está transformando o Ministério da Saúde em um verdadeiro
Quartel do Exército, ou se preferir, um “bunker”.
Em períodos de guerra é natural que os comandos militares não passem
informações à população para evitar que o inimigo possa descobrir a sua
estratégia de ataque. Por isso, não temos observado as imprescindíveis entrevistas coletivas
com as quais havíamos nos acostumado na época do Mandetta.
Outra estratégia importante durante um período de guerra é a
utilização de uma arma potente e, preferencialmente, que não esteja disponível
para o seu inimigo. Usaremos um exemplo grotesco para fazer um paralelo entre
uma guerra real e o combate a pandemia, que muitos estão chamando de “guerra”
e, pelo que parece, o presidente não teve a capacidade intelectual para
perceber que era no sentido figurativo.
A data oficial do fim da Segunda Guerra Mundial na Europa é o dia 8 de
maio quando Hitler e seu exército se renderam. Todavia, a Guerra continuou no
Pacífico e em uma tentativa de forçar a rendição dos japoneses, o Presidente
Truman decide utilizar, para fins bélicos, o chamado Projeto Manhattan. Os EUA,
então, lançam duas bombas atômicas – uma em Hiroshima e outra em Nagasaki –
levando à morte imediata de 140 mil e 40 mil mortes, respectivamente. Além das mortes
imediatas, muitas outras mortes foram observadas em função da radiação. Ou
seja, sabia-se do alto poder destrutivo da bomba atômica, mas os efeitos
colaterais futuros eram desconhecidos. O ato praticado pelos EUA foi condenado
mundialmente, todavia, Truman nunca foi julgado e/ou condenado por genocídio.
Feito o paralelo, voltemos à guerra figurativa contra o novo
coronavírus. O Presidente da República, motivado por motivos obscuros já
comentados em outro artigo (veja aqui), acredita possuir uma arma poderosa – a cloroquina.
Após várias tentativas frustradas de obrigar o ex-Ministro Mandetta a adotar um
protocolo de uso da cloroquina ele o exonera. O Presidente usa a mesma tática com
o ex-Ministro Coveiro, que também não aceita assinar um protocolo de uso indiscriminado
da cloroquina. Afinal, com formação médica, tanto Mandetta quanto Teich sabem
que os efeitos colaterais da cloroquina são muito mais devastadores que o seu
poder de cura, que, aliás, ainda precisam ser provados cientificamente.
O Ministro Coveiro, então, sente que não conseguirá vencer a batalha e
pede exoneração. O Presidente percebe que não adianta nomear um outro médico.
Sabe que existe uma médica que é defensora do uso da cloroquina, mas é contra o
fim do isolamento social. Logo ela não se encaixa no perfil desejado por ele.
Sabe que a indicação de um médico terraplanista, que aliás esconde o seu último
sobrenome – Plana – levará a um desgaste político muito grande. Ele decide,
então, manter o General como Ministro interino. Passa a criar outras crises
políticas para desviar atenção e começa a preparar o terreno para o uso indiscriminado
da cloroquina no tratamento da Covid-19.
O primeiro passo do Presidente da República é a publicação de uma
Medida Provisória – MP 966/2020 – que isenta agentes públicos de punição
durante a pandemia. Em suma, se um agente público assinar um protocolo de uso
da cloroquina, ele não será punido caso seja observado um grande número de
mortes pelo medicamento. Da mesma forma, se um agente público prescrever
cloroquina para um paciente e este vier a falecer por conta do medicamento, ele não será punido. A inconstitucionalidade
da MP 966 está sendo julgada desde ontem no STF. Caso a MP não seja derrubada
pelo STF ou pelo Congresso Nacional, os agentes públicos não serão julgados,
exatamente como aconteceu com os responsáveis pela bomba atômica em Hiroshima e
Nagasaki.
O Presidente da República sabe que um militar é treinado para cumprir
ordens, embora ele nunca tenha cumprido e tenha sido expulso do Exército. Mas, o
Ministro interino sabe que deve cumprir ordens e ele está em uma missão. Ele
sabe, também, que mesmo o Presidente sendo apenas Tenente e ele General, o Presidente
é o Comandante maior das Forças Armadas. Dessa forma, o Ministro interino ontem
publicou um novo protocolo para o uso da cloroquina, exatamente como o
Presidente queria. O mais absurdo é que o protocolo não foi assinado por
médicos.
Vários aspectos ficam muito claros no interesse da militarização, não
só do Ministério da Saúde, mas também de todo o Governo Federal. O Brasil tem
hoje 9 dos 22 Ministérios ocupados por Militares. Um percentual maior – aproximadamente
40% – que a vizinha Venezuela – 29,4%. O atual Governo tem mais militares no
comando de Ministérios que quatro dos cinco presidentes militares do Brasil.
Médici, Geisel e Figueiredo tinham sete nomes das Forças Armadas e Costa e
Silva que tinha 8 Ministros militares. Apenas Castelo Branco tinha mais
Ministros oriundos das Forças Armadas – doze.
Discordo veementemente do que dizem vários políticos e analistas
políticos sobre o fato de a Rainha Louca não ter um projeto.
A Rainha louca tem um projeto pessoal e não coletivo.
O Presidente da República tem um projeto fascista. Dentro de um
projeto fascista você precisa calar a imprensa, fechar as instituições
democráticas e usar a força dos militares. Acredito eu, que as Forças Armadas
brasileiras estão extremamente amadurecidas e seus Comandantes não irão “comprar”
essa ideia lunática.
Restará, então, ao Presidente usar dos expedientes que ele usou por
mais de 28 anos para se eleger. A utilização de grupos paramilitares para “tocar” o terror
naqueles que se opuserem aos seus interesses e de seus familiares, ou seja, as
milícias. O projeto do Presidente consiste em armar ainda mais as milícias
cariocas e leva-las a todas as cidades brasileiras. Faz parte de seu projeto,
também, armar os seus fanáticos seguidores.
É inacreditável que a Polícia Federal tenha sido capaz de prender um
ex-Presidente da República, um ex-Presidente da Câmara, vários Governadores, vários
ex-Ministros e, um sem número de políticos e seja incapaz de conduzir coercitivamente para depoimento o "desaparecido" Queiroz.
Não podemos nos calar e torna-se cada vez mais necessária a união de
todos os Partidos Políticos que genuinamente defendem o Estado Democrático de
Direito.
Nenhum comentário:
Postar um comentário