A obsessão pela cloroquina
Em 19 de março, o Presidente dos EUA anuncia que a cloroquina era
eficaz no tratamento da Covid-19. Há uma corrida às farmácias, o produto se
esgota no Brasil e milhares de pessoas que usam o medicamento de forma
constante para o tratamento de outras doenças ficam em risco. A partir daí o
uso da cloroquina vira uma obsessão para o Presidente brasileiro.
O que estaria por trás da defesa do uso da cloroquina? Não lhe parece
estranho uma pessoa que dizia que a Covid-19 era uma “gripezinha” defender o
uso de um remédio com tantos efeitos colaterais?
Muito estranho também o comportamento da milícia digital. Antes eles
diziam que a Covid-19 era uma criação da Globo para derrubar o Governo do
Bolsonaro, hoje, aqueles que são contra o uso da cloroquina são comunistas.
Segundo o jornal The New York Times, o presidente Trump tem uma participação
financeira na Sanofi, uma indústria farmacêutica francesa que é a maior
produtora de cloroquina no mundo. Além disso, a Sanofi é administrada por um
dos maiores contribuintes das campanhas do Partido Republicano.
No Brasil, a cloroquina é produzida no Brasil por uma indústria
farmacêutica, cujo presidente é um apoiador entusiástico do Bolsonaro. O
medicamento produzido por essa indústria foi inclusive apresentado por ele em
uma reunião do G-20. O Presidente da República fez esforços, junto ao Governo
Indiano, para liberar a importação da matéria-prima utilizada da fabricação da
cloroquina. Portanto, parece fundamental, para o presidente, que o medicamento
seja usado em larga escala no tratamento da “gripizinha”.
Desde as primeiras divulgações do possível potencial de cura da
Covid-19 pelo uso da cloroquina, a Anvisa liberou os testes com o medicamento e
o Ministério da Saúde divulgou um protocolo para o seu uso. Inúmeros estudos
começaram a ser feitos no Brasil, conduzidos principalmente pela Fundação
Oswaldo Cruz. Os primeiros resultados mostraram que os riscos eram maiores que
os benefícios e um dos testes, conduzidos em Belém, foi abandonado.
Um dos filhos do Presidente da República iniciou uma série de críticas
aos pesquisadores responsáveis pelos testes. Esses pesquisadores foram
acusados, pelo deputado federal de fraudarem os resultados e os chamarem de
comunistas. A partir daí, os pesquisadores da renomada e centenária instituição
– a Fundação Oswaldo Cruz – passaram a ser ameaçados pelas redes sociais. O
Ministério Público, como de praxe, fez vistas grossas e nenhuma investigação
foi feita sobre as acusações proferidas por um deputado, sem formação médica ou
científica.
A defesa do uso da cloroquina no Brasil ainda é tema recorrente nas
redes sociais e frequentemente inúmeras publicações falsas sobre o medicamento
são produzidas. Antes, a milícia digital defendia o uso da cloroquina em
pacientes com sintomas graves e entubados. Surgiam as mais esdrúxulas comparações
possíveis. Para mim a mais hilária é a comparação entre um avião em queda e o
paciente de Covid-19 em estado grave. O espírito da postagem era o seguinte: “se
vai morrer mesmo, por que não usar a cloroquina?” Logo, me perguntei: não é apenas
uma gripezinha?
Atualmente, a milícia digital começa a defender o uso da cloroquina
nos estágios iniciais da Covid-19. Essa defesa é feita sem qualquer evidência
científica. As redes sociais passaram a ter inúmeros “estudiosos”, “cientistas”
e “pesquisadores” especializados no uso da cloroquina. Eles apresentam inclusive
a dosagem diária a ser administrada aos pacientes. Os integrantes da milícia digital
são capazes de produzir pequenos textos e inúmeros memes defendendo o uso da
cloroquina, mas não possuem a capacidade de pesquisar por artigos científicos
no assunto. Os periódicos científicos mais importantes do mundo estão com
acesso livre durante esse período da pandemia.
Fica cada dia mais claro que a milícia digital repassa o que o
Presidente da República diz todas as manhãs no cercadinho do Palácio da
Alvorada. Como diz o comentarista político Otávio Guedes, o Presidente da
República é nada mais nada menos que o animador do cercadinho. De lá ele ataca
a imprensa, o Congresso Nacional, o STF e seus desafetos. Ele também faz uso do
cercadinho para defender o fim do isolamento social e o uso da cloroquina. Em
alguns minutos as redes sociais são invadidas com as “pautas do dia” apresentadas
pelo Presidente da República.
Nas últimas semanas começaram a ser publicados inúmeros artigos
científicos sobre estudos clínicos de uso da cloroquina. O prestigioso periódico
britânico – The British Medical Journal (TheBMJ) – publicou no dia 14 de abril
um artigo contendo um estudo criterioso do uso da cloroquina em pacientes com
sintomas leves de Covid-19 (veja aqui). O estudo concluiu que os resultados dos
testes não mostraram benefícios adicionais de eliminação do vírus e que os
efeitos colaterais eram mais frequentes com doses maiores. Os pesquisadores
indicam que pelos dados obtidos não se deve utilizar o uso do medicamento em
pacientes com sintomas leves ou moderados.
Os resultados de estudos conduzidos no Brasil por inúmeros renomados
pesquisadores foram publicados na Jama Network Open no dia 24 de abril (veja aqui). Os resultados apontaram que a cloroquina não era um medicamento indicado
para o uso em pacientes graves.
Alguns colegas da UFRJ – Campus Macaé criaram um site com uma
compilação de artigos publicados sobre os inúmeros medicamentos que estão sendo
testados no momento no tratamento da Covid-19. É um excelente e confiável local
de consulta (clique aqui). Outro site contendo com boas referências é o da
SanarMed. Esse site fornece uma lista de artigos científicos sobre cloroquina (cliqueaqui). É preciso ficar claro que estamos enfrentando duas pandemias - a da Covid-19 e a das fakenews. Contra a segunda, temos medicamentos e vacina: informações confiáveis e educação de qualidade.
Não tenho a menor dúvida de que a cloroquina está no centro de um
debate político e não científico, como esperar-se-ia que fosse. A ciência tem
demonstrado diariamente que a cloroquina não é o medicamento a ser utilizado. A
defesa irresponsável da cloroquina feita pelo Presidente da República leva aos
componentes das milícias digitais a qualificarem como comunistas aqueles que
são contrários ao uso da cloroquina.
Importante também salientar que a Suécia - país ao qual o Presidente vem fazendo referências equivocadas - abandonou o uso da cloroquina por conta de efeitos colaterais graves. O Presidente Trump, também, abandonou a defesa do uso da cloroquina em 21 de abril e justificou para a Fox News com a seguinte frase: "Temos muitos bons resultados e temos alguns resultados que talvez não sejam tão bons". Em uma pesquisa no Google, percebi que apenas dois presidentes defendem o uso da cloroquina: Bolsonaro e Maduro! Estranho, não é? O medo não era nos transformarmos em uma Venezuela?
Importante também salientar que a Suécia - país ao qual o Presidente vem fazendo referências equivocadas - abandonou o uso da cloroquina por conta de efeitos colaterais graves. O Presidente Trump, também, abandonou a defesa do uso da cloroquina em 21 de abril e justificou para a Fox News com a seguinte frase: "Temos muitos bons resultados e temos alguns resultados que talvez não sejam tão bons". Em uma pesquisa no Google, percebi que apenas dois presidentes defendem o uso da cloroquina: Bolsonaro e Maduro! Estranho, não é? O medo não era nos transformarmos em uma Venezuela?
Hoje eu começo a lançar uma campanha sobre a cloroquina em dois
aspectos principais:
1. que a Anvisa obrigue a constar uma advertência nas
embalagens de medicamentos derivados da cloroquina: “Este medicamento tem um
enorme potencial para derrubar ministros;”
2. que os apoiadores do Presidente da República
sejam os alvos dos testes com cloroquina no Brasil. Para tanto, eles devem
assinar um termo que aceitam fazer o teste e que abrem mão da utilização de
respiradores, caso a cloroquina não traga efeito satisfatório.
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