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domingo, 17 de maio de 2020

A obsessão pela cloroquina


A obsessão pela cloroquina
Robson Matos


Em 19 de março, o Presidente dos EUA anuncia que a cloroquina era eficaz no tratamento da Covid-19. Há uma corrida às farmácias, o produto se esgota no Brasil e milhares de pessoas que usam o medicamento de forma constante para o tratamento de outras doenças ficam em risco. A partir daí o uso da cloroquina vira uma obsessão para o Presidente brasileiro.

O que estaria por trás da defesa do uso da cloroquina? Não lhe parece estranho uma pessoa que dizia que a Covid-19 era uma “gripezinha” defender o uso de um remédio com tantos efeitos colaterais?

Muito estranho também o comportamento da milícia digital. Antes eles diziam que a Covid-19 era uma criação da Globo para derrubar o Governo do Bolsonaro, hoje, aqueles que são contra o uso da cloroquina são comunistas.

Segundo o jornal The New York Times, o presidente Trump tem uma participação financeira na Sanofi, uma indústria farmacêutica francesa que é a maior produtora de cloroquina no mundo. Além disso, a Sanofi é administrada por um dos maiores contribuintes das campanhas do Partido Republicano.

No Brasil, a cloroquina é produzida no Brasil por uma indústria farmacêutica, cujo presidente é um apoiador entusiástico do Bolsonaro. O medicamento produzido por essa indústria foi inclusive apresentado por ele em uma reunião do G-20. O Presidente da República fez esforços, junto ao Governo Indiano, para liberar a importação da matéria-prima utilizada da fabricação da cloroquina. Portanto, parece fundamental, para o presidente, que o medicamento seja usado em larga escala no tratamento da “gripizinha”.

Desde as primeiras divulgações do possível potencial de cura da Covid-19 pelo uso da cloroquina, a Anvisa liberou os testes com o medicamento e o Ministério da Saúde divulgou um protocolo para o seu uso. Inúmeros estudos começaram a ser feitos no Brasil, conduzidos principalmente pela Fundação Oswaldo Cruz. Os primeiros resultados mostraram que os riscos eram maiores que os benefícios e um dos testes, conduzidos em Belém, foi abandonado.

Um dos filhos do Presidente da República iniciou uma série de críticas aos pesquisadores responsáveis pelos testes. Esses pesquisadores foram acusados, pelo deputado federal de fraudarem os resultados e os chamarem de comunistas. A partir daí, os pesquisadores da renomada e centenária instituição – a Fundação Oswaldo Cruz – passaram a ser ameaçados pelas redes sociais. O Ministério Público, como de praxe, fez vistas grossas e nenhuma investigação foi feita sobre as acusações proferidas por um deputado, sem formação médica ou científica.

A defesa do uso da cloroquina no Brasil ainda é tema recorrente nas redes sociais e frequentemente inúmeras publicações falsas sobre o medicamento são produzidas. Antes, a milícia digital defendia o uso da cloroquina em pacientes com sintomas graves e entubados. Surgiam as mais esdrúxulas comparações possíveis. Para mim a mais hilária é a comparação entre um avião em queda e o paciente de Covid-19 em estado grave. O espírito da postagem era o seguinte: “se vai morrer mesmo, por que não usar a cloroquina?” Logo, me perguntei: não é apenas uma gripezinha?

Atualmente, a milícia digital começa a defender o uso da cloroquina nos estágios iniciais da Covid-19. Essa defesa é feita sem qualquer evidência científica. As redes sociais passaram a ter inúmeros “estudiosos”, “cientistas” e “pesquisadores” especializados no uso da cloroquina. Eles apresentam inclusive a dosagem diária a ser administrada aos pacientes. Os integrantes da milícia digital são capazes de produzir pequenos textos e inúmeros memes defendendo o uso da cloroquina, mas não possuem a capacidade de pesquisar por artigos científicos no assunto. Os periódicos científicos mais importantes do mundo estão com acesso livre durante esse período da pandemia.

Fica cada dia mais claro que a milícia digital repassa o que o Presidente da República diz todas as manhãs no cercadinho do Palácio da Alvorada. Como diz o comentarista político Otávio Guedes, o Presidente da República é nada mais nada menos que o animador do cercadinho. De lá ele ataca a imprensa, o Congresso Nacional, o STF e seus desafetos. Ele também faz uso do cercadinho para defender o fim do isolamento social e o uso da cloroquina. Em alguns minutos as redes sociais são invadidas com as “pautas do dia” apresentadas pelo Presidente da República.

Nas últimas semanas começaram a ser publicados inúmeros artigos científicos sobre estudos clínicos de uso da cloroquina. O prestigioso periódico britânico – The British Medical Journal (TheBMJ) – publicou no dia 14 de abril um artigo contendo um estudo criterioso do uso da cloroquina em pacientes com sintomas leves de Covid-19 (veja aqui). O estudo concluiu que os resultados dos testes não mostraram benefícios adicionais de eliminação do vírus e que os efeitos colaterais eram mais frequentes com doses maiores. Os pesquisadores indicam que pelos dados obtidos não se deve utilizar o uso do medicamento em pacientes com sintomas leves ou moderados.

Os resultados de estudos conduzidos no Brasil por inúmeros renomados pesquisadores foram publicados na Jama Network Open no dia 24 de abril (veja aqui). Os resultados apontaram que a cloroquina não era um medicamento indicado para o uso em pacientes graves.

Alguns colegas da UFRJ – Campus Macaé criaram um site com uma compilação de artigos publicados sobre os inúmeros medicamentos que estão sendo testados no momento no tratamento da Covid-19. É um excelente e confiável local de consulta (clique aqui). Outro site contendo com boas referências é o da SanarMed. Esse site fornece uma lista de artigos científicos sobre cloroquina (cliqueaqui). É preciso ficar claro que estamos enfrentando duas pandemias - a da Covid-19 e a das fakenews. Contra a segunda, temos medicamentos e vacina: informações confiáveis e educação de qualidade.

Não tenho a menor dúvida de que a cloroquina está no centro de um debate político e não científico, como esperar-se-ia que fosse. A ciência tem demonstrado diariamente que a cloroquina não é o medicamento a ser utilizado. A defesa irresponsável da cloroquina feita pelo Presidente da República leva aos componentes das milícias digitais a qualificarem como comunistas aqueles que são contrários ao uso da cloroquina.

Importante também salientar que a Suécia - país ao qual o Presidente vem fazendo referências equivocadas - abandonou o uso da cloroquina por conta de efeitos colaterais graves. O Presidente Trump, também, abandonou a defesa do uso da cloroquina em 21 de abril e justificou para a Fox News com a seguinte frase: "Temos muitos bons resultados e temos alguns resultados que talvez não sejam tão bons". Em uma pesquisa no Google, percebi que apenas dois presidentes defendem o uso da cloroquina: Bolsonaro e Maduro! Estranho, não é? O medo não era nos transformarmos em uma Venezuela?

Hoje eu começo a lançar uma campanha sobre a cloroquina em dois aspectos principais:
1. que a Anvisa obrigue a constar uma advertência nas embalagens de medicamentos derivados da cloroquina: “Este medicamento tem um enorme potencial para derrubar ministros;”
2. que os apoiadores do Presidente da República sejam os alvos dos testes com cloroquina no Brasil. Para tanto, eles devem assinar um termo que aceitam fazer o teste e que abrem mão da utilização de respiradores, caso a cloroquina não traga efeito satisfatório.

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