Plataforma
Lattes e a ética[i]
Robson
Mendes Matos
Com certeza devemos celebrar a façanha alcançada
pela Ciência e Tecnologia no Brasil ao atingir a marca de 200 mil currículos na
Plataforma Lattes, conforme noticiado pelo JC e-mail de 5 de
julho último. A Plataforma Lattes representa grandes avanços para a C&T
brasileira, que foram bem detalhados no artigo de Sibyla Goulart (edição 485 do
Jornal da Ciência).
O fim do formulário Banco de Currículos do CNPq
também pode ser visto como outra vantagem propiciada pelo advento da Plataforma
Lattes. Quem não se lembra do Banco de Currículos, que tinha que ser
preenchido sempre que fosse necessário fazer novo pedido ao CNPq? Hoje, as
atualizações dos currículos são mais fáceis, rápidas e podem ser feitas a
qualquer momento, sem que os professores sejam obrigados a deixar seus
gabinetes.
Será então que não existem desvantagens na
utilização da Plataforma Lattes? Aqueles que têm aversão a
computadores dirão que não existem vantagens, enquanto os amantes dos avanços
"internáuticos" argumentarão que só existem vantagens. Entretanto, é
necessário cautela na análise deste aspecto.
Os avanços da informática e, principalmente, da
Internet acontecem a passos largos e são, via de regra, uma ferramenta importante
na difusão de ideias, conhecimento e estatísticas. O Brasil, graças aos
investimentos do passado, tornou-se um dos países mais avançados no uso da
Internet. Enquanto enviamos, já há vários anos, nossas declarações de imposto
de renda pela rede, os Estados Unidos ainda estão engatinhando nesta área.
A criação da Plataforma Lattes é outro
exemplo deste avanço, uma vez que o Brasil já começa a exportar tal tecnologia
para o primeiro mundo. Por isso, perguntarmos: Quão confiáveis são as
declarações prestadas nos currículos depositados no sistema Lattes? E
esta pergunta torna-se ainda mais importante a partir do momento em que tomamos
conhecimento de que o número de consultas aos currículos tem aumentado
progressivamente. Sabe-se ainda que o uso da Plataforma Lattes por
profissionais fora da comunidade científica vem crescendo. Partindo do
pressuposto de que podem existir fraudes nos currículos Lattes,
precisamos pensar nas suas causas e buscar ações que as evitem. Afinal, é a
credibilidade da comunidade científica brasileira que está em jogo.
Temos assistido, ano após ano, a uma sensível
redução nas verbas alocadas para a pesquisa no Brasil e a um crescimento do
número de pesquisadores qualificados. Com isto, a concorrência pelos recursos
financeiros para a nossa pesquisa tem aumentado. Ao mesmo tempo, é
imprescindível que tenhamos boa produção técnico-científica para recebermos
financiamento. E assim, inicia-se um ciclo pernicioso: sem produção, não há
financiamento; sem financiamento, não há produção.
Este ciclo pode ser quebrado com facilidade se
adicionarmos uma pitada de falta de ética e de escrúpulos. Este pesquisador
pode criar uma produção fantasma em seu currículo e aumentar suas chances na
concorrência pelas verbas de pesquisa. Desnecessário dizer que este tipo de
fraude pode passar despercebido por anos a fio. Assim, não haverá punição e o
pesquisador desleal será privilegiado e incentivado a continuar cometendo
fraudes.
Através de denúncias bem documentadas, o CNPq já
tomou conhecimento de alguns destes casos e tomou providências corretas, mas
insuficientes. Em geral, o CNPq apura a denúncia e, comprovada a fraude,
determina ao pesquisador que faça a correção do currículo. Normalmente, as
correções são efetuadas dentro do prazo estipulado e o caso é encerrado. Mas
sem punição não se coíbe este tipo de ação.
Apesar de serem poucos os casos conhecidos, a
fraude não deixa de ser preocupante. Acredito ser necessária uma ação rápida e
eficaz para evitar que o mal se espalhe e a Plataforma Lattes se
transforme em um grande escândalo. Não há como defender a volta aos tempos do
Banco de Currículos, feitos em papel e que tinham que ser comprovados na
maioria das vezes, mas é necessário buscar meios de identificar e punir os
fraudadores. Uma discussão séria e aberta pode levar à criação de mecanismos
que impeçam a fraude e, caso ela aconteça, à punição de seus autores.
A responsabilidade legal das informações contidas
no Currículo Lattes é do próprio pesquisador, o que não difere de outros
currículos. Mas a quem cabe a ação de interpelar judicialmente um pesquisador
que frauda o Lattes? Não é preciso dizer que fraudes na Plataforma
Lattes afetarão toda a comunidade científica, seja pela perda da
confiabilidade nos dados, seja pela competição desleal pelo financiamento à
pesquisa. Cabe ao CNPq, enquanto guardião da Plataforma, obrigar o infrator a
proceder à imediata correção do Lattes, puni-lo administrativamente
e, caso necessário, recorrer à Justiça.
Algumas sugestões de possíveis medidas
administrativas: indisponibilizar para o público o currículo Lattes do
pesquisador; comunicar a falta cometida pelo pesquisador aos órgãos que
utilizam o sistema Lattes; suspender os auxílios para pesquisa já
aprovados; e impedi-lo de solicitar novos auxílios. Desta forma, podemos pensar
em uma notícia para uma edição futura do Jornal da Ciência: "Graças
à Plataforma Lattes, o Brasil conhece com precisão e confiabilidade as
atividades realizadas em C&T, tanto individual quanto coletivamente."
Além disso, estaremos certos de que qualquer pesquisa de opinião continuará
apontando a classe científica como a mais confiável da sociedade brasileira.
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