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domingo, 26 de abril de 2020

A Covid-19 a serviço do autoritarismo


A Covid-19 a serviço do autoritarismo
Robson Matos

Desde o aparecimento do primeiro caso da Covid-19 no Brasil temos assistido diuturnamente o negacionismo por parte do presidente e de seus mais lunáticos ministros, seguidores e familiares. A Covid-19 já foi caracterizada por eles como gripezinha, uma doença que não ataca “machos” e “atletas” e como uma doença criada para derrubar o seu governo. Governadores, prefeitos e até alguns de seus Ministros (hoje ex-Ministros) foram atacados por representarem uma ameaça ao seu desejo de ser reeleito.

Tentar combater o negacionismo do presidente é um equívoco. Tentar polarizar com ele em relação ao isolamento é outro equívoco. Está muito claro que o presidente vem utilizando desses instrumentos para desviar a atenção de medidas muito mais sérias que estão sendo implementadas.

No dia 17 de abril, foi publicada a MP 954/2020. Essa Medida Provisória obrigam as operadoras de telefonia que atuam no Brasil a disponibilizar a relação dos nomes, dos números de telefone e dos endereços de seus consumidores, pessoas físicas ou jurídicas. Esses dados seriam utilizados pelo IBGE para a coleta de dados do PNAD (Plano Nacional por Amostras de Domicílio Continuada).

Não nos restam dúvidas da importância do levantamento feito pelo IBGE. O PNAD é utilizado (ou pelo menos deveria ser) para orientar as políticas públicas de combate à desigualdade social. Todavia, como o próprio nome do programa indica, trata-se de um levantamento por amostragem. Eu, por exemplo, não me lembro de haver sido entrevistado pelo IBGE desde a criação do PNAD. A justificativa do IBGE para a obtenção da totalidade dos dados seria a necessidade de se fazer a seleção das pessoas a serem entrevistadas.

A publicação dessa MP deixou-me estarrecido e escancarou a hipocrisia do Governo Federal. A mesma “caneta” que editou a MP, impediu, três dias antes, o uso do monitoramento impessoal de aparelhos celulares para medir o índice de isolamento social. Não há qualquer critério nas medidas tomadas.

A MP 954/2020 é gravíssima e fere um direito constitucional básico do cidadão brasileiro, ou seja, o direito à privacidade. Temos certeza que os servidores do IBGE são íntegros e zelosos. Entretanto, não podemos nos esquecer que na estrutura do IBGE existem cargos comissionados indicados através de critérios políticos. Qual garantia teríamos de que esses dados estarão seguros e jamais vazarão para o denominado “gabinete do ódio”?

Em 20 de abril, o STF recebe quatro pedidos de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) e os processos são distribuídos, através de sorteio, para a Ministra Rosa Weber. No dia seguinte a Ministra Weber pede esclarecimentos ao IBGE, AGU e Anatel. Em um claro ato de desrespeito ao STF o IBGE emite, no dia 22 de abril, Portaria Normativa solicitando urgência no fornecimento de dados pelas operadoras de telefonia e, apenas no dia 24 de abril, AGU e IBGE respondem ao pedido da Ministra Weber. Na noite do dia 24 de abril, a Ministra decide pelo deferimento da ADI, salvaguardando-nos da invasão autoritária de privacidade.

Já em 23 de abril, o Governo Federal tomou outra ação extremamente preocupante. Através da Portaria Interministerial 1634/2020, o Governo aumentou o limite de compra de munição para pessoas físicas. Esta é uma medida extremamente preocupante e beneficia as milícias. As milícias dominam atualmente grande parte da Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro, Baixada Fluminense e está se espalhando assustadoramente para outros estados brasileiros. O Instituto Sou da Paz condenou a medida e apontou não haver evidências científicas apontando para o benefício do acesso às armas. O Instituto salienta que a maioria da população aponta para outras prioridades mais emergentes que a ampliação do acesso às armas.

Em um outro ato demonstrando imenso autoritarismo, o Presidente da República publica, em 24 de abril, ato exonerando o Diretor Geral da Polícia Federal, o que leva o Sr. Sérgio Moro a pedir exoneração do cargo de Ministro da Justiça e Segurança Pública. Esse talvez seja o ato mais demonstrativo do autoritarismo. Ao que parece, existe um claro desejo, por parte do presidente, na proteção de familiares, deputados da base de apoio, apoiadores e possíveis políticos que estão se movimentando para desembarcar na base de apoio em troca de cargos e favores.

Segundo inúmeras fontes, as investigações conduzidas pela PF estão a cada dia se aproximando de seus filhos, principalmente aquela do inquérito que apura a divulgação de fakenews. Outro temor pode ser o pedido de investigação feito Procurador Geral da República (PGR) sobre os organizadores e financiadores do ato ocorrido no último dia 19 em frente ao Quartel General do Exército em Brasília. Especula-se que essa investigação pode chegar aos filhos do presidente e a deputados muito próximos a ele. Diante disso, ele pretende indicar um Diretor Geral para a PF, muito próximo à sua família, que lhe passe informações privilegiadas.

O meu entendimento é de que, embora as instituições democráticas estejam sólidas, voltamos a viver períodos extremamente sombrios. O presidente tem dado mostras de que o sangue que corre em suas veias carrega hemácias da pior estirpe. As hemácias de seu sangue são portadores do autoritarismo, do espírito antidemocrático, do ódio e da velha equivocada e adaptada máxima: “aos meus tudo aos inimigos a guilhotina”.

É uma extrema deslealdade ao povo brasileiro. Nós, já tão sofridos, somos obrigados a lutar contra o avanço da Covid-19 e contra o autoritarismo que os atuais inquilinos do Palácio do Planalto pretendem implantar nesse país.

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