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terça-feira, 21 de abril de 2020

“O Estado sou eu” x “A Constituição sou eu”


“O Estado sou eu” x “A Constituição sou eu”
Robson Matos

“Je suis la Loi, Je suis l'Etat; l'Etat c'est moi"
(Eu sou a Lei, eu sou o Estado; o Estado sou eu!)

A frase acima é atribuída a Louis XIV em um pronunciamento ao Parlamento Francês, em abril de 1655, embora não haja registro formal que garanta que a frase tenha sido dita.

Passados 365 anos da frase supracitada e 261 anos do fim do absolutismo real na França, uma versão modernizada da frase é proferida e nos faz refletir sobre o totalitarismo:
“A Constituição sou eu!”

Os séculos XVI e XVII são marcados por guerras civis e religiosas na Europa. Essas guerras adivinham do surgimento das Reformas Protestantes (Luteranismo, Calvinismo e Anglicismo). Essas reformas surgem em função, principalmente, dos seguintes fatores:
1. algumas novas dinastias europeias começam a questionar o poder do Papa de interferir nas questões políticas e cobrar impostos de seus súditos;
2. um novo grupo social, em busca de prestígio, a burguesia, busca o rompimento com a hierarquia imposta pela Igreja Católica;
3. a incapacidade da Igreja Católica em salvar a população durante o período de fome, de pestes e de Guerras. Estima-se que a “peste negra” dizimou 1/3 da população europeia na segunda metade do século XIV;
4. a valorização do Homem dentro do próprio processo do conhecimento;
5. os cientistas e artistas renascentistas abandonam os dogmas e passam a buscar na natureza e na razão as repostas para as suas questões.

Em resposta a essas guerras religiosas e civis, nasce o absolutismo francês, arquitetados pelo Cardeal Richelieu e pelo teólogo JaquesBossuet. No absolutismo francês, o rei era uma autoridade sagrada e incontestável e só devia obediência a Deus.

Esse modelo político precisou ser extremamente autoritário. O caráter incisivo do monarca absoluto fica muito claro no trecho da obra do historiador Marco Antônio Lopes (Lopes, Marcos Antônio, Ars Historica no Antigo Regime: a História antes da Historiografia. Varia Historia, 24(40), 2008, p 653):
O Estado absolutista francês instalou-se no topo de uma complexa pirâmide de hierarquias sociais. Se em sua "política externa" não admitia nenhuma potência acima de si mesmo, no interior do reino sufocou qualquer discurso que fosse desfavorável à propaganda monárquica, que foi estendida até aos campos de batalha. A lei da mordaça imposta pelos príncipes absolutistas à História, que se tornou uma "arte", foi muito criticada por autores setecentistas.

No modelo de Estado Absolutista Moderno, o monarca era a fonte de todo o poder político. De sua pessoa partiam as atribuições para a legislação, para o juízo e para a execução das leis. Havia o rei e seus súditos (submissos ao rei).

O Estado Absolutista Moderno imperou na Europa de meados do século XVI até o fim do século XVIII, quando surge o Iluminismo. O responsável por organizar o modelo político que caracteriza o Estado Cidadão, hoje conhecido Estado Democrático de Direito, foi Charle Monstesquieu.

A ascensão da classe burguesa e a diminuição das guerras civis permitem o aparecimento de clubes de intelectuais que começam a promover o pensamento crítico através de rodas filosóficas, que constroem os pressupostos ideológicos que levam ao fim do absolutismo. Um desses pressupostos era a dignidade do cidadão. O cidadão deveria ter participação política direta e direito ao exercício dos seus direitos.

Montesquieu defendia a divisão do poder, deslocando-o do rei para o povo. Dessa forma, era necessário a existência de instituições harmônicas e interdependentes, que configurariam três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. Esses três poderes deveriam ser equilibrados, de tal forma que um fiscalizaria o outro e seriam amparados e regulados por uma Constituição. Esse modelo vem sendo aperfeiçoado constantemente, desde então, e impera na maioria dos países reconhecidamente democráticos.

Isso posto, devemos refletir sobre as semelhanças entre as frases proferidas pelo rei absolutista Louis XIV e o presidente brasileiro.

A grande maioria dos analistas políticos brasileiros interpretou a frase “A constituição sou eu” como sendo uma demonstração em defesa da democracia no Brasil. Dou-me ao direito de discordar. A atitude do presidente remete-me à frase dita por Schwarzenegger, interpretando o exterminador no primeiro filme da série o “Exterminador do Futuro”: I’ll be back” (“Eu voltarei”).

Aparentemente, a participação do presidente na manifestação do último dia 19 foi instada pelo “Gabinete do Ódio”. A manifestação em favor da reedição do AI-5 e do fechamento do Congresso e do STF deve ser caracteriza como criminosa, haja visto ser antidemocrática e um atentado contra a Constituição Federal e contra a saúde do cidadão.

No dia 20 do mesmo mês, certamente após ser repreendido pela “Ala militar de seu Governo”, o presidente vem a público condenar o fechamento do Congresso e do STF. Em um a cena, com certeza teatral e ensaiada, o presidente repreende um dos seus apoiadores que pede o fechamento das duas instituições democráticas. O presidente continua dizendo que em momento algum do seu discurso fez referência ao fechamento das duas instituições e da reedição do AI-5. Novamente discordo. Basta saber o mínimo de interpretação do discurso. Os manifestantes postam faixas e cartazes com dizeres pelo fechamento do Congresso Nacional e do STF, pela reedição e do AI-5 e Fora Maia. (Cabe aqui um esclarecimento muito útil aos manifestantes: o Maia não é o presidente do Congresso Nacional. Pela Constituição, esse cargo é exercido pelo presidente do Senado.)

O presidente, durante a sua participação na manifestação, faz um discurso e profere as seguintes frases: “Eu acredito em vocês” e “Eu estou aqui por vocês”. Essas frases demonstram inequivocamente o apoio do presidente ao fechamento do Congresso Nacional e do STF e o seu desejo de reeditar o AI-5. Ou seja, seu pronunciamento aos jornalistas no último dia 20 não passa de um amontoado de falácias e a tentativa de se livrar de um crime de improbidade administrativa ao atentar contra a Constituição Federal, a qual ele jurou respeitar.

Por fim, gostaria de convidá-los à seguinte reflexão: a soma das frases “Brasil acima de tudo e Deus acima de todos” e “Eu sou a Constituição” te remeteria ao Absolutismo Francês?



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