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segunda-feira, 20 de abril de 2020

O MINEIRO E O TORRESMO

Essa crônica e do meu amigo João Furtado.
O MINEIRO E O TORRESMO
João Furtado

Mineiro gosta mesmo de um torresmo. Tanto quanto de queijo. Eu ia comprar outra carne, mas quando vi aquela manta de toucinho de barriga dependurada não hesitei. O açougueiro perguntou: quanto? Levei a peça inteira, 2,7 kg. O que não virar torresmo vira banha, para empadão, bolacha, vai refogar feijão (insubstituível). Gordura para entupir as veias de uma família inteira, se comido sem moderação. Mas para evitar isso nós, mineiros, inventamos a “carne de lata”, hoje carne de pote de sorvete (modernidade condenável, mas mais higiênica). 
O torresmo pode ser servido em pedaços grandes, para comer com a mão e acompanhar cachaça, ou pequenos, para comer no prato, no tropeiro ou no tutu, que é muito diferente do insosso viradinho à paulista, até porque esse último não leva cachaça. 
Nas vendas de beira de estrada, sobretudo as de terra, tem lugar central. Não é a ridícula “porção”. Você escolhe a peça que deseja e fala para o “vendeiro”: é essa aqui. Ele espanta as moscas e espeta o bicho com o garfo ou uma faca de ponta para te entregar. Faz mal? De jeito nenhum, se acompanhado da boa cachaça. 
Uma vez, subindo para São Tomé das Letras, a partir da fazenda que foi do meu avô, em Cruzília, vivemos um episódio épico. Era para subir de carona no caminhão de pedras, mas resolvemos adiantar um pouco a pé. Manhã bonita, boas companhias. Um tanto depois do Camilão, já no pé de serra, quando o bicho ia pegar, bateu sede e cansaço. Garganta seca de poeira. Resolvemos parar numa vendinha para uma cerveja, que veio “mofada” de fria, como nunca se esperaria num lugar como aquele. 
Enquanto bebíamos, com meu “anthropological blues”, fiquei assuntando de longe a história que o “vendeiro” contava para outro freguês: “então ele pegou e disse ‘me dá um pedaço dessa meirrda ai’. Eu peguei esse porrete aqui (e mostrou) e já pulei poirr cima do balcão e gritando: indeisde quando eu serrvi merrda proceis aqui?” 
Terminamos a cerveja com calma, mas seguimos caminho antes do negócio se voltar contra nós, sabe-se lá por que motivo. 
É, pessoal, viver em Minas pode ser perigoso, mas tem lá suas delícias.

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