Primeiras impressões do
novo Ministro da Saúde - O que esperar?
Robson
Matos
Assisti,
inúmeras vezes, os dois únicos discursos do novo Ministro da Saúde até hoje. A
partir desses, embora ainda muito cedo, tentei extrair as minhas impressões
sobre suas possíveis ações frente ao MS. Alguns hão de dizer que é muito cedo e
que minha análise é apenas um serviço de futurologia. Posso até concordar,
todavia, em virtude do avanço da pandemia no Brasil de forma assustadora,
precisamos estar preparados no intuito de preservarmos nossa saúde e a dos
nossos entes queridos.
Iniciarei a
minha análise invertendo momentaneamente a ordem cronológica dos fatos. O
motivo é que a escolha do nome do Nelson Teich para ocupar o MS só foi
explicitada na sua posse no dia 17 de abril. O Presidente da República durante
a apresentação do novo ministro: “... agora deixo bem claro aqui, é
economista e poderá no nosso entender, buscar uma alternativa para isso...”
Isso não nos causa qualquer surpresa. A preocupação do PR sempre foi acima de
tudo a economia. Ele acredita que a sua reeleição só será possível se o Brasil
começar a crescer bem acima dos míseros 1,1% do ano passado. Enfim, mas o
intuito dessa análise é focar nas possíveis ações do Ministro da Saúde.
No
pronunciamento de indicação de seu nome como Ministro da Saúde, Teich iniciou
sua fala dizendo que não haverá mudanças bruscas ou radicais na política de
isolamento, o que mostra, para a maioria da sociedade, como algo cordato no
momento atual. Desse ponto, o que se ouviu é bastante preocupante. Alguns dos
trechos do discurso do Teich foram deselegantes e outros mostraram total
desconhecimento da máquina administrativa do MS.
O primeiro ponto abordado
pelo novo Ministro foi em relação ao isolamento social, o que demonstra
claramente uma forma de atender à preocupação do Presidente e nesse sentido,
Teich foi bastante transparente em mostrar que a maior preocupação é o que
acontece com a população em relação a cada ação tomada.
“O que
é fundamental hoje? É que a gente tenha informação cada vez maior do que
acontece com a população em cada ação que é tomada”.
Sua preocupação deveria
ser em relação ao que acontece com o espalhamento da pandemia e como esse
espalhamento está afetando a ocupação dos hospitais, principalmente os
públicos, bem próximos, diga-se de passagem, de chegar ao colapso em inúmeras
regiões metropolitanas brasileiras.
Teich foi deselegante ao
desmerecer todo o trabalho realizado em cima dos dados com relação à pandemia
no Brasil:
“Como
a gente tem pouca informação e informação muito confusa, a gente começa a
tratar a ideia como se fosse fato e começa a trabalhar como se fosse um
tudo ou nada e não é nada disso”.
Ou seja, segundo o novo
Ministro, tudo que até agora foi feito está errado ou equivocado. Esperar-se-ia
que Teich apresentasse uma alternativa à forma de ação e, pelo menos na cabeça
dele, ele o fez:
“O que
é fundamental é que a gente consiga enxergar aquela informação que a gente tem até
ontem, decidir qual é a melhor ação, entender o momento e seguir nesse caminho
de definir qual a melhor forma de isolamento de distanciamento o que é
fundamental. A gente vai falar nisso o tempo todo, que isso cada vez
mais seja baseado em informação sólida.”
Me questiono, contudo, se
não era isso que a equipe anterior vinha fazendo. Ou seja, analisar os dados
epidemiológicos, obtidos a partir de Estados e Munícipios e recomendar a forma de
isolamento. Outro ponto a se destacar e que Teich desconhece o funcionamento
dos três poderes, como também o papel reservado aos entes da Federação. Como já
estabelecido pelo STF, não cabe ao Governo Federal definir a forma de isolamento. Essa tarefa é reservada aos
prefeitos e governadores a partir de orientações da OMS e do próprio MS.
Destaco também, que ele fez uma promessa de falar o tempo todo do isolamento
(frase grifada no trecho acima. Tal promessa já foi quebrada, uma vez que no
dia seguinte, quando da sua posse, as palavras isolamento e distanciamento não
apareceram uma única vez em seu discurso. Espera-se, contudo, que o Ministro da
Saúde mantenha a praxe das entrevistas coletivas para a apresentação dos dados diários
e o debate sobre a situação da pandemia no Brasil. Entretanto, esse é um
acontecimento que acredito não mais ocorrerá, em função da fraqueza de sua
oratória até então demonstrada.
Fiquei bastante animado
quando o novo Ministro começou a abordar o segundo tema da sua pauta: economia
x saúde, mesmo ele tendo usado completamente,
quando poderia ter usado totalmente
(rsrs):
“A segunda
coisa, eu até escrevi isso recentemente em um artigo, é a gente discutir saúde
e economia. Isso é muito ruim porque na verdade essas coisas não competem entre
si. Elas são completamente complementares (SIC). Quando você polariza uma coisa
dessas, você começa a tratar como se fosse pessoas versus dinheiro, o bem
versus o mal, emprego versus pessoas doentes e não é nada disso.”
A partir desse momento ele se perdeu. Demonstrou muito mais
preocupação com o emprego e com os rumos da economia. Apontou claramente que os
recursos necessários à saúde só existem se os empregos se mantêm. Um verdadeiro
caos em termos de concatenação de ideias e projetos no combate à pandemia. Esse
é um ponto a ser atentamente observado nas próximas semanas.
No terceiro ponto na pauta
de seu discurso, o novo Ministro induziu aqueles que o assistiam a acreditar na
existência de vacinas e/ou medicamentos para a Covid ou, então, ele
simplesmente não tem capacidade de se expressar de maneira clara. Prefiro ficar
com a segunda opção. Mas, faça seu próprio julgamento no trecho transcrito a
seguir ou no trecho do vídeo anexo (corte sem edição):
“Um
outro ponto é a parte de tratamento. A gente tem as vacinas, a gente tem os
medicamentos. O que é importante aqui tudo aqui vai ser tratado de uma forma
absolutamente técnica e científica e você vai disponibilizar o que existe hoje
em termos de vacina, em termos de medicamentos...”
Teich volta, em seu
discurso, a criticar os dados obtidos até aqui afirma que é importante que os
dados sejam colhidos de forma colaborativa. Continua dizendo que é preciso
conhecer a doença e que a cada ação que é tomada não se tem certeza do que vai
acontecer amanhã. O oncologista demonstra um total descolamento da realidade.
Os dados estão aí. Os dados veem sendo colhidos de forma responsável e
inteligente, não só no Brasil como no mundo. Realmente, pouco conhecemos da
doença, mas os dados brasileiros e mundiais nos permitem tirar algumas conclusões.
Conclusões essas que podem ser tiradas por qualquer cidadão com o mínimo de bom
senso:
1. o novo coronavírus
tem um poder de transmissibilidade muito maior que outros vírus;
2. a enfermidade mostra-se
extremamente agressiva e o tempo de internação é muito elevado;
3. tanto no Brasil
como nos EUA a Covid-19 tem acometido, muitas vezes de forma grave, inúmeras
pessoas com idades inferiores a 60 anos e sem comorbidades;
4. a pandemia tem
levado ao colapso do sistema de saúde de países com economias muito mais
sólidas que à brasileira.
O novo
Ministro faz uma abordagem em relação a uma política de testagem. Entendo que a
testagem em massa é fundamental e necessária para que passemos de um isolamento
horizontal para um isolamento vertical, de maneira gradual. Todavia, como
abordei no post de ontem aqui nesse blog, entendo que essa seja uma prática
inexequível a curto médio prazo no Brasil.
Já durante
a sua posse, Teich trouxe-me um pouco mais de esperança e confiança em um
possível bom trabalho quando frisa que o foco deve ser nas pessoas e no bem
estar delas. Ele também está certo quando afirma que existe uma pobreza em
relação à Covid-19 e isso leva ao medo das pessoas. Mas, é preocupante quando o
novo Ministro afirma que eles terão que trabalhar trazendo confiança para a
população através da informação, do conhecimento do planejamento o começo da construção de uma solução. Ou
seja, o oncologista se manteve na crítica de que tudo que até agora foi feito
está errado. Demonstra, também, um certo grau de arrogância ao desprezar os
dados e as informações de outros países em relação à doença e toda uma rede de
pesquisadores renomados ao redor do globo.
O Ministro,
em vários momentos no discurso de sua posse, manteve a crítica aos dados e ao
trabalho até agora desenvolvido, de forma muito competente, pela gestão
anterior à frente do MS. Ele também voltou a frisar, como se tivesse descoberto
a roda, de que outras doenças precisam de atenção e cuidados, o que é fato.
Segundo ele as pessoas terão medo de buscar atendimentos nesse momento de
pandemia. Talvez, não tivesse esse governo, do qual ele faz parte, acabado com
o programa Mais Médicos, as unidades de atendimento básico estivessem mais
preparadas para esse tipo de atendimento.
Teich
insiste no impacto na economia como sendo um problema de igual preocupação
nesse momento e, de certa forma, contradizendo o dito no dia anterior. A perda
de empregos pode levar a perda do Plano de Saúde Suplementar desses
desempregados e sobrecarregar o SUS. Pois bem, aqui temos mais uma mostra do
total desconhecimento das ações até aqui tomadas, mesmo que insuficientes. Tanto
os programas de redução da jornada de trabalho, como o da suspensão do contrato
de trabalho garantem a manutenção dos benefícios do trabalhador. Mister dizer
que outras ações são necessárias para se evitar o aumento desenfreado do
desemprego. Todavia, essas ações devem ser assumidas pelo Estado no sentido de
injetar dinheiro na economia através de empréstimos a juros baixos, adiamento
de impostos entre outros. Aliás, o Congresso Nacional tem atuado nesse sentido
e A PEC do “Orçamento de Guerra” está em vias de ser aprovada. Colocar o
aumento do desemprego em contraposição ao isolamento social é nada mais nada
menos que um ato de genocídio e precisa ser combatido a qualquer preço.
Em outro
trecho de seu discurso, o Ministro cita o surgimento de um antiviral com
resultados muito promissores no tratamento da Covid-19. Ele não cita que estudo
é esse e que antiviral é esse. Em um exercício de pura especulação, acredito
que ele estivesse falando do medicamento anunciado pelo “astronauta”, cujos
testes foram feitos in vitro e como
nós, da área da ciência, sabemos, muito longe de serem promissores.
Muito
preocupante quando Teich acha natural que as pessoas mais humildes e com menos
recursos sejam mais impactadas, embora diga que fará de tudo para minimizar o
sofrimento dessas pessoas. Embora seja uma realidade, não podemos aceitar que
isso seja natural. Não fosse o reinado de mais de 500 anos da desigualdade
social em nosso país, a preocupação seria menor.
O novo
Ministro cita inúmeras vezes que pretende trabalhar com os outros Ministérios no
combate à pandemia. Estaria isso indicando que as decisões podem ser tomadas de
cima para baixo? Em nenhum momento os termos isolamento e distanciamento são
citados. Seria uma forma de evitar um conflito público com o Presidente? Fiquei
extremamente assustado ao perceber que o Ministro não fez um chamamento aos Governadores,
Prefeitos, Deputados e Senadores para uma atuação conjunta. Ainda mais
preocupante foi saber que os Presidentes dos Conselhos de Secretários de Saúde,
estaduais e municipais, foram barrados na cerimônia de posse. Todavia, lá
estava a sua esposa, cuja presença Teich fez questão de anunciar e agradecer.
Em suma, foi realmente um “momento de alegria”, como fez questão de anunciar na
abertura de seu discurso, o Presidente da República. Ele não poderia ter sido
mais infeliz nas suas palavras, aliás, coisa que lhe é praxe! O momento que o
presidente classificou como um “momento de alegria” chegávamos a mais de 2 mil
mortes no Brasil.
Na maior
das sinceridades, não acredito em um bom trabalho do Dr. Nelson Teich à frente
do MS. O combate a uma pandemia, de proporções jamais vistas no Brasil e no
Mundo não pode de ser combatida sem a união do Executivo, Legislativo,
Judiciário, todos os entes da Federação e toda a Sociedade. Não vejo o novo
Ministro da Saúde como sendo capaz de construir essa união. O Dr. Teich, até
aqui se mostrou uma pessoa confusa em seus discursos e posicionamentos, sem
articulação política, sem conhecimento do funcionamento do MS e sem
conhecimento do SUS. O que o novo Ministro tem de sobra é uma vontade incrível
de agradar ao Presidente e ao Gabinete do Ódio.
Enquanto
houver uma politização eleitoreira sobre a pandemia, continuaremos assistindo o
aumento das mortes no Brasil. Precisamos debater o que nos une, não o que nos
divide, esse é um ensinamento que aprendi na minha convivência no setor
sindical. Mas, esse ensinamento o Presidente da República nunca aprendeu nos
seus mais de 30 anos na política. Nesses 30 anos ele aprendeu apenas cultivar o
ódio e os conflitos. Em um momento como esse precisamos de um estadista.
O Brasil,
não é acostumado a grandes tragédias, como os são países da Europa e os EUA. Em
períodos de grandes tragédias como foi o caso das grandes guerras, tanto a sociedade
quanto esses governos são capazes de focar no combate ao inimigo comum. Veja o
grande exemplo dessas nações! O combate à pandemia foi colocado em primeiro
plano, deixando a economia em um plano secundário. Trilhões de dólares e/ou
euros estão sendo despejados no combate à pandemia e no combate ao
empobrecimento das pessoas. Que nos sirvam de exemplos.
Poder-se-ia
dizer que a ainda é muito cedo para uma avaliação do novo Ministro e que eu
esteja sendo precipitado. Aceito essa crítica e até torço que esteja errado.
Todavia, a análise, mesmo que precoce é de suma importância para que estejamos
alertas. Não podemos aguardar que o pior aconteça para só então agir.
Excelente e lúcida reflexão.
ResponderExcluirSabe quando lemos algo e torcemos, em nome de um bem maior, que no caso, é a saúde do povo brasileiro, que o autor esteja totalmente equivocado? É como me sinto agora. A única campanha que deveria estar sendo visada agora é a do combate à pandemia.
Uliana, também espero que eu esteja completamente equivocado!
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